quinta-feira, 28 de abril de 2011

o sentido da vida

- Utopias me deixam extremamente frustrado. - Eduardo continuou. - Se eu detesto o sentimento de não ter conseguido cumprir uma meta, me sinto ainda pior quando percebo que tal meta é inalcançável.
- Quando sua meta passa a ser algo inalcançável, alguma coisa está errada. - Fitz comentou. - Quero dizer, quem em sã consciência passa a desejar algo que não pode nunca ser atingido? É masoquismo!
- Acho que uma pessoa já muito realizada tende a, cada vez mais, sonhar mais alto, consequentemente exigindo mais de si e empenhando-se mais na conquista de seu objetivo... - Dibs disse.
- Não. Acho que desejar algo inalcançável não significa que a pessoa seja realizada, significa falta de humildade e sentimento de onipotência. Em outras palavras, estupidez. - Fitz disse.
- Se todos pensássemos assim - Hermann começou - ninguém não buscaria nem encontraria um sentido para a própria vida, visto que a busca pelo mesmo geralmente leva bastante tempo e muitas vezes parece inatingível.
- Mas encontrar um sentido para a própria vida é algo muito mais profundo e complexo do que simplesmente considerar-se admirável o suficiente para atingir todo e qualquer objetivo almejado - disse Fitz. - O indivíduo pode muito bem ter um objetivo moral para cumprir durante sua vida sem começar a achar que é capaz de cumprir com todos as suas metas.
- Mas então - disse Hermann, e começou a desenvolver a frase vagarosamente:- o que torna uma busca por um sentido na vida diferente de uma outra meta qualquer?
Os outros três puseram-se a pensar. Dibs resolveu pronunciar-se.
- A busca por um sentido deve basear-se nas suas aptidões, gostos... Deve ser uma união do útil com o agradável, ao mesmo tempo pensando de que forma se estará contribuindo ao mundo ao seu redor. Seja esse mundo composto por 6 ou 6 bilhões de pessoas, tudo o que você faz é de certa forma importante para pelo menos uma pessoa... independentemente da área de sua atuação, deve-se sempre segurar sua lâmpada, seja pra iluminar uma pequena área ou um ambiente inteiro...
- Então, basicamente, devemos todos empregar nossas habilidades e o que gostamos de fazer para o bem? Para a melhoria do mundo? - Fitz soava incrédulo. - Isso é tão romântico.
- Perdão pelo clichê, mas se todos fossem como Dibs, senhor Fitzwillian, o mundo de fato seria melhor. - disse Hermann.
- Olha, meu caro, minha melhor habilidade é a manipulação, e o que eu mais gosto de fazer é fazer o que eu quero. Como isso pode ser revertido para o bem?
- Você é um pobre coitado que precisa de muita ajuda para livrar-se desse seu lado que foi esculpido por conveniências, negócios e seu pai. Fitzwillian, você sabe bem que manipulação não é seu maior dom, e que se você investisse um mínimo de tempo em um processo de autodescoberta você seria um homem completamente diferente. - Hermann disse, deixando Fitz a olhar pela janela, vermelho. - E você, Eduardo? Já descobriu um sentido para sua vida?
Os olhos se voltaram para Eduardo. Hermann olhava-o curiosamente.
- Na verdade, não. Passei tanto tempo sendo o que o mundo queria que eu fosse que me perdi no meio do caminho.
- Você não tem uma esposa e filhos?
- Sim... posso dizer que depois de um tempo pude sentir que começou a florescer alguns traços de amor dentro de mim, por ela. Casamo-nos por conveniência social. Ela é tão perdida quanto eu, mas mostra-se, dentro de casa, uma mulher decente e ótima mãe... E meu filho, meu filho provavelmente é o único motivo pelo qual eu continuo seguindo com minha vida de fachada.
- Você não acha que isso é um ótimo sentido para sua vida? - Dibs perguntou. - Viver para fazer alguém feliz, viver sendo feliz porque o outro está feliz. Mesmo que sua busca seja eterna e que você nunca se conheça por completo, sua vida não vai ter sido um completo desperdício, pois você terá compartilhado-a com sua esposa e filho. Uma vida com amor nunca é vazia, pois o amor é o sentimento mais nobre e satisfatório que existe.
- Dibs, você é um eterno romântico, ingênuo, tolo. - Disse Fitz. Ele olhava pela janela novamente, mas não conseguiu disfarçar que as palavras do mesmo haviam atingido-o - ele, cuja vida esteve repleta de tudo, menos de amor.

sábado, 16 de abril de 2011

liberdade

- Ao menos eu sou livre, Fitzwillian.
Essa foi a resposta dada por Hermann, uns tensos segundos depois das explosão e confissão de Fitz.
Dibs tinha suas orelhas vermelhas e as mãos juntas em seu colo.
Eduardo encarava Fitz e Hermann como se estivesse acabado de assistir um diálogo entre ele e ele mesmo.
A Dama observava toda a composição da cena com um êxtase profundo.
- Que diabos, Hermann! - Fitz agora encarava-o como se fosse louco. - Eu sou livre, legalmente livre e responsável por mim mesmo e por qualquer outro alguém desde que completei vinte e um anos de miserabilidade!
- O que quer dizer com isso? - Eduardo interveio. - Você supõe que algum de nós não seja livre?
- Eu sou livre porque sou escravo das minhas virtudes e dons. Vocês são escravos do que a nossa sociedade, hedonista e que padroniza, impõe que sejam. Vocês são escravos do trabalho e do dinheiro, são escravos da falsa ideologia (que atua como uma pseudo-crença a ser seguida) que lhes é imposta todos os dias por todos os meios de comunicação, são escravos de seus impulsos e desejos carnais e materiais, são escravos de uma falsa necessidade de atualização. São pobres seres racionais que são enganados a todo instante. Mas vocês todos, todos, são ignorantes a ponto de não saber que, se vocês são escravos de si mesmos (de um eu idealizado e requerido pela sociedade), são também os donos de si mesmos, possuidores da única chave para sua própria libertação. Libertação essa que exigiria muita reflexão e desprendimentos, mas que traria uma recompensa para toda a vida.
Ficaram todos, exceto Fitz, encarando os próprios sapatos, como crianças que acabaram de levar uma bronca moral da mãe. Dibs mostrava-se incrivelmente maravilhado de ter acabado de escutar toda aquela profecia ditada por Hermann. Não conseguia esconder a admiração e, ao mesmo tempo, a pena que sentia pelo homem.
- Se você é escravo de suas virtudes, Hermann, você também pode estar sendo ludibriado pelo que acha ser um bom motivo para continuar vivo. Se você acha que ser escravo de sua inegável habilidade para refletir criticamente acerca das coisas, escrever sobre o comportamento humano, cercar-se de cultura e embriagar-se de poesia modernista são virtudes, provavelmente o pensa porque são atitudes não tão comuns em nossa sociedade. Logo, você continua sendo escravo da mesma - no caso, é escravo do que não é requisitado ou apreciado. - Fitz concluiu, finalizando sua fala num tom estranhamente reflexivo e não tão sarcástico.
- Hermann, também há a possibilidade de você cegar-se tanto acerca de suas virtudes que se esqueça de trabalhar seus defeitos. - Dibs disse. - Ou você acha que é completamente normal e são estar total e completamente alternativo à sociedade? O homem é um ser social, vive em sociedade e de uma forma ou de outra deve fazer parte dela, e você precisa parar de acreditar que assistir à programação que passa em seu televisor ou comer fast food de final de semana acabaria por corromper seu rico caráter.
Ficaram quietos, refletindo. Era muito conteúdo em um demasiadamente curto espaço de tempo.
- Mas então - Eduardo quebrou o silêncio - o que é ser livre?
- Acredito que seja não prender-se a nada. Não prender-se a valores como se fossem a única verdade do mundo. - Fitz disse. - Acho que um homem realmente livre é aquele que consegue enxergar e refletir acerca de ideologias e opiniões diferentes, e, por fim, montar, como num mosaico, sua própria tese acerca da vida.
- Mas como? Como uma pessoa pode montar seu caráter e ter uma posição definida, se ela não se prende a ideia nenhuma? Uma pessoa assim seria indecisa pelo resto da sua vida! Estaria destinada a ficar em cima do muro em todas as decisões que envolvam uma moral, por toda a sua vida! - Hermann disse. - Ser livre é ser indefinido?
- Não, Hermann. É totalmente possível que se tenha um ponto de vista mesmo não se prendendo a uma só teoria. E esse é o real valor da liberdade que Fitz está tentando nos mostrar. A liberdade é um valor acima de todos, e só é possível alcançá-la quando nos libertamos dos nossos preconceitos e passamos a olhar tudo por cima, conseguindo compreender tudo à nossa volta, porque temos nosso olhar livre o suficiente para analisar uma situação sem nos prendermos à uma ideia totalmente contra ou totalmente a favor a ela. O indivíduo livre não é aquele indeciso, pelo contrário, é aquele que reflete e pensa e define muito mais do que qualquer um, pois tem sua mente aberta a tudo. - Foi a vez de Eduardo manifestar-se. - Utópico. Não acredito que alguém consiga atingir esse estado. Talvez Buda, Gandhi, Maomé ou Jesus Cristo, mas não nós.
- Não gosto de utopias. - Dibs pontuou.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

felicidade

A atmosfera ia ficando cada vez mais carregada de faíscas e tensão entre Eduardo e Hermann. Comentários cínicos e indiretas ficando cada vez mais frequentes. Dibs olhava-os de forma confusa, Fitz tinha seus pés apoiados na mesa e consumia seu segundo charuto. Dama passava os dedos ao redor da sua taça meio cheia (ou meio vazia, dependendo da corrente filosófica do leitor). Tomou fôlego, hesitou, mas levantou a voz.
- Eu queria propor-lhes uma troca de ideias...
- Deus me livre!, para citar Mário Quintana, mademoiselle. Prefiro abster-me da discussão. - Suponho que o leitor já saiba de quem foram essas palavras.
Fitz soltou a fumaça pela boca com um estalo.
- Qual seria o tema?
- Felicidade.
- E se eu não souber o que me faz feliz? - Dibs pronunciou-se.
- Acho que é mais provável que nenhum de nós saiba o que é a felicidade porque a possibilidade de alguém aqui ter sido feliz alguma vez é mínima - Eduardo disse, num tom baixo, calmo, controlado e até vago.
- Não é possível ser feliz -, máxima lançada por Fitz.
Dama encarou-o.
- E por que não?
- Pois a felicidade é algo a que sempre almejamos e sempre almejaremos, e quando superamos um obstáculo para alcançá-la surge sempre outro e outro, por mais que esses obstáculos sejam colocados por nós mesmos. O homem não quer e não merece ser feliz.
- Essa quantidade de obstáculos surge quando não se sabe o que quer - Eduardo disse, encarando Fitz e surpreendendo-se com a similaridade entre os dois. - quando se tem um objetivo em mente, não surgem novos obstáculos, esses só vão ficando cada vez mais complexos, exigindo cada vez mais de nós, e é esse desgaste que nos impede de alcançar o êxtase.
- Eu não sei vocês, mas - Dibs disse, timidamente - eu sou feliz quando estou amando alguém e consequentemente amando-me. Eu... acho que vocês só afastam a felicidade quando pensam muito sobre ela...
Fitz e Eduardo calaram-se. O garoto tinha uma opinião. O garoto tinha uma opinião a respeito de um assunto complexo e labiríntico como felicidade, e expressou-se de forma clara e modesta. Fitz mostrou-se balançado, Eduardo tinha uma expressão nostálgica em seu rosto. Via seu eu adolescente em Dibs.
- A felicidade - Hermann começou a falar, devagar, como se estivesse escolhendo as palavras certas - está na busca pelo que achamos que ela é. A felicidade está no processo, em tudo que conquistamos achando que só no final seremos felizes. Se a busca terminasse, qual seria o motivo para continuarmos vivos? A incessante busca por algo mais nos motiva e deve sempre nos motivar, o problema é que muitos se perdem no caminho e acabam não apreciando a verdadeira beleza da vida, que é o viver, e não o terminar...
No rosto misterioso de expressão quimérica esboçou-se um sorriso. Dama parecia satisfeita.
- Eu não... me considero feliz. Não faço o que eu quero, nunca fiz o que eu queria, e a única certeza que eu tenho é de que eu não gosto de como minha vida está - Eduardo disse.
- Isso é um começo, oras... ao menos você sabe do que você não gosta. - Dibs disse, encarando os próprios sapatos.
- Se o verdadeiro proveito encontra-se na busca pela tal felicidade, então por que eu não sou feliz, Hermann? - Fitz perguntou.
- Talvez você esteja procurando no lugar errado. - Hermann respondeu com um sorriso terapêutico. - Se começasse a viver sua vida por você e não pelos outros talvez você aproveitasse o que eu chamo de processo de descoberta.
- Isso não está certo. Eu tenho meu objetivo em mente. Eu sei o que eu quero. E eu sempre consigo o que eu quero. Na verdade, eu já conquistei meu último objetivo - Fitz disse. - Não é como se eu ligasse também.
- Objetivos superficiais e fáceis. Pela forma como você diz, você deve morrer de medo de desejar algo mais difícil e frustrar-se se não o alcançasse. Fitz, é normal e bom falhar às vezes. Torna-nos humanos.
- Você é um hippie doido! Quer o quê? Que eu me desprenda da sociedade vá viver no campo lendo poesia do século quatorze? Que eu passe a admirar cada segundo do meu dia entediante e sem novidades? Que eu chegue atrasado ao trabalho e quando meu pai pedir uma explicação, eu diga que estava apreciando o milagre da vida ao ver um pássaro sair de um ovo? - Fitz ficou vermelho e fumava cada vez mais compulsivamente. - Poupe-me, Hermann! Eu não quero acabar como você.

domingo, 3 de abril de 2011

sobre Hermann

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!

E não há verso que poderia expressar melhor a ideologia de Hermann para com o restante do mundo. Hoje Hermann era um senhor de meia idade com uma carreira acadêmica brilhante e alguns prêmios de excelência dados pelas mais ilustres organizações de sua área. Fã de aforismos e de conclusões objetivas e claras, apesar de não ser nem de longe tão pragmático quanto Fitzwillian. Porém, note que o processo, a evolução do pensamento, as conexões e assimilações eram incrivelmente demoradas e eram a parte mais apreciada por Hermann.
Tinha um espírito investigativo, característica sua desde adolescente. Passou inclusive por várias fases e várias ideologias. Após uma breve fase niilista, Hermann percebeu que vida nenhuma pode ser desprovida de sentido, então empenhou-se para que a sua própria tivesse algum. Ele questionava e instigava não para chegar ao nada absoluto e à destruição completa da moral, mas porque queria entender tudo, seu funcionamento - queria aperfeiçoar as artes, a ética, a moral, a filosofia, a psicologia, a ciência. As pessoas. Queria aperfeiçoar as pobres pessoas de espírito fraco.
Muito idealista. Extremamente idealista. Se sua atividade não levasse ao bem e apenas o bem, não poderia praticá-la. Se não fosse totalmente ético, o rumo de sua vida a partir dali tornaria-se uma espiral cujo final era a inevitável corrupção de espírito. Riam-se os colegas de Hermann, admiravam-no e sentiam pena seus professores.
A busca por um sentido na vida tornava-se cada vez mais desgastante e complexa conforme vai se envelhecendo. O que de certa forma não faz tanto sentido para as mentes das pessoas comuns, porque o raciocínio lógico e socialmente aceito é que quanto mais se estuda e trabalha, mais específica sua atuação no mundo vai ficando e, consequentemente, mais específica e definida sua visão e planos para o futuro. Mas Hermann, que surpresa, era diferente. Quanto mais ele estudava, mas sentia que havia déficit de investimentos sociais em várias áreas da sociedade, mais sentia que precisava estar em todos os lugares a todos os instantes, e menos sabia onde em que exatamente queria fazer sua contribuição. Pode-se dizer que este é um dos motivos de Hermann ter seguido carreira acadêmica - lendo, pesquisando, pensando e escrevendo - e nunca realmente lançou-se no mercado por vontade e gosto próprio (pois trabalhara com o pai, rico).
E com a crescente complexidade de sua busca, a frustração com relação às pessoas também ia aumentando. Pensar que ninguém tinha os mesmos questionamentos e objetivos que ele era muito desencorajador. Sua área de interesse era realmente extensa - sua paixão era por Humanas. Escreveu artigos sobre filosofia, psicologia, ética, moral, história, sociologia, antropologia, história da arte - especializou-se em filosofia porque achava que isso o ajudaria a decidir que rumo, que corrente tomar.
O desespero. Hermann vinha lidando com o desespero. Tentava reprimir, lutava contra, estrangulava a vontade mais pura que havia dentro de seu ser - desistir de tudo porque não restava mais esperança, não se podia acreditar no potencial das pessoas porque elas não tinham um potencial. Esse desespero que originava crises de angústia, de existência - sentia-se incontrolavelmente tentado a voltar à sua filosofia Niilista. Seria tão mais fácil.
A idade chegando, Hermann foi tornando-se uma caricatura de si mesmo, porque não fazia muito além do que sempre fez (ler, pesquisar, pensar e escrever). Esse tipo de quase excelência moral e intelectual não costuma ser um atrativo ao orgulho de pessoas medíocres, então foi se tornando recluso e alternativo à sociedade. Não era e nunca foi sociofóbico e misantropo, mas uma parte do seu ser relutava e ganhava toda vez que sentia necessidade de assistir a um filme ou tomar um café forte.

O tempo passa, as perguntas mudam junto com os interesses, as visões de mundo, a maturidade e a alma, mas algo que Hermann se perguntava desde tenra idade até aquele momento era: Por quê? Por que as coisas são assim? Não há bagagem sociológica que explique o mundo em que vivemos e sua total inversão de valores com a passagem das décadas, e Hermann não estava nem perto de se conformar com a resposta "porque sim".