quinta-feira, 6 de junho de 2013

Tristeza - Aubrey de Vere

Quando moço, eu disse à Tristeza:
"Vem, que brinco contigo."

Aconteceu, certa vez, quando eu era pequena, de estar sentada sozinha no corredor da escola. Os colegas não me chamaram pra brincar; aqueles aos quais eu pedi para me deixar entrar na brincadeira, recusaram. Então fiquei sentada, ali, olhando para meus sapatos novos e perguntando o que eu devia fazer.
- Eu posso te fazer companhia.
Era um mamiferozinho muito pequeno; parecia um rato, um camundongo, mais precisamente; tinha grandes olhos tristes e azuis.
- E quem é você?
- Sou a Tristeza. Sou o que você está sentindo agora. E vou te fazer companhia, desde que você me alimente.
- E do que você se alimenta?
- ...digamos que você não se esquecer de mim é o suficiente.
Eu pisquei os olhos e fiquei encarando aquele ser que agora fazia parte de mim, de minha vida. Eu não sabia muito bem o que dizer; aquele ser era algo novo, algo com o qual eu não sabia lidar - o que me colocava em sérias desvantagens.
A partir desse dia passamos a nos ver com alguma regularidade. Às vezes eu a via todos os dias; outras vezes, passava semanas sem vê-la. Mas eu sabia, de alguma forma, que ela sempre voltaria. Afinal, ela me disse que me faria companhia - desde que eu a alimentasse.

Agora está perto de mim todo o dia
E de noite retorna e diz:
"Volto amanhã com certeza,
Volto e fico contigo."

Conforme fui ficando mais velha, a Tristeza também foi crescendo, envelhecendo, amadurecendo. Agora seus grandes olhos já não eram mais tristes e azuis; eram melancólicos e negros. Olhar dentro deles era como encarar o próprio Nada. Ficava cada vez mais difícil pedir a ela que fosse embora.
- Tristeza, não quero mais que você fique comigo. Você dá muito trabalho. Eu não tenho tempo pra mim...
- Não! Não vou. Porque, se eu for, você vai ficar perdida e vai se sentir vazia. Não vai saber o que fazer. Você consegue imaginar? Sobre o que pensaria? Como passaria seu tempo? Sobre o que escreveria? Você seria mais uma menina patética e feliz. Acredite, é melhor que eu fique.
- Mas, Tristeza... você me consome.
- Eu sei o que é melhor pra você.
E, conforme o tempo foi passando, foi ficando mais difícil desvencilhar-me dela porque eu não sabia mais tomar minhas decisões sozinha. Era sempre a Tristeza quem falava, quem se posicionava, quem pensava. Eu sempre a consultava antes de tomar uma atitude ou de falar com alguém. E, quando eu a questionava, sua resposta era sempre a mesma:
- Eu sei o que é melhor pra você. Você não sabe fazer isso sozinha.
E eu, é claro, concordava.

Andamos juntos pelo bosque,
Seus passos mansos murmurando ao lado.

Chegamos ao ponto de eu simplesmente assistir enquanto a Tristeza vivia minha vida em meu lugar. Ela dominava a esfera das minhas relações sociais, dominava como eu lidaria com minhas atividades pessoais, dominava do que eu gostava, que filme eu assistiria, a que música escutaria, quais palavras usaria, o que eu comeria. Chegamos ao ponto de eu ser uma espectadora da minha vida. Chegamos ao ponto de eu simplesmente esquecer qual atitude eu tomaria se estivesse no lugar da Tristeza.
Afinal, ela conseguira. Ela me anulara. Agora eu só era se juntamente à Tristeza. Eu não existia mais.
Quando eu olhava para o espelho, para meus próprios olhos, eu via a ausência. Não o Nada, como nos olhos da Tristeza, mas a ausência. Eu simplesmente não estava mais lá.

E quanto mais eu tentava resistir, mais ela me enfraquecia, e mais eu precisava dela. Assim, entrei num ciclo infinito de resistência e enfraquecimento. Tristeza, engenhosa como ela só, criou uma forma de autossuficiência: ela mesma criou um ambiente que, despertando em mim a vontade de dela me afastar, só dela me aproximava mais.
Só me fazia esquecer cada vez mais de quem eu realmente era - se é que eu um dia sequer fui.


Para amparar um ser em desestima,
Ergueu um invernoso abrigo,
E a noite toda, quando chove,
Escuto os leves respiros ao lado.

("Tristeza", Aubrey de Vere)