quinta-feira, 19 de setembro de 2013

sintonia

Pra ser lido ao som desta música.

Felicidade é conseguir esquecer e parar de pensar. Pois nem se ele quisesse ele conseguiria pensar em mais alguma coisa, naquele instante.
Não importava os compromissos que ele tinha dali duas horas, ou o deslumbrante palestrante para quem ele devia telefonar dali três horas, ou o sapato apertado. Só importava que sua cabeça estava apoiada nas pernas dela, e que as mãos dela eram macias, e que a irritação que ela demonstrava quando o vento batia em seu cabelo, desarrumando-o, deixava-a ainda mais bonita.
Não importava nem o medo que ele sentia. O medo que aquela sensação de não pertencer a si mesmo causava. O medo de decepcionar.
As unhas dela eram tão bonitas. E aquele vestido de festa preto, discreto, dava-lhe um ar de elegância que às vezes se confundia com a confusão e a ingenuidade em seus olhos. O sorriso no canto da boca a entregava.
Sentir o carinho. Sentir aquele perfume que o fazia ir até a Índia e voltar. Ela estava com os olhos semicerrados e encarava o horizonte. E tão linda.
- Que cara é essa?
- Nada, não.
Tudo cabe nesse nada. Ele sabe disso. Ela não precisava ficar explicando. Bastava o momento.
Carinho no rosto. Um beijo na testa.

* * *

Felicidade é aquele intervalo de tempo entre preocupações. Ela constatou isso, naquele instante.
Naquele instante em que captou com os olhos, com a consciência, com o âmago da sua própria alma a beleza do momento; porque tudo, ali, era bonito. O lugar - ela já fora lá muitas vezes, mas havia algo de diferente -, o vento que batia no seu cabelo e ficava tirando sua franja do lugar, o cheiro de grama recém-molhada de orvalho e recém-cortada, a cor de um céu que acabava de acordar.
E ele, ali, deitado em seu colo.
Os cabelos dele, ali, por entre os dedos dela. O cheiro dele de roupa limpa e de perfume. O sorriso dele que tentava se passar por maroto, mas que ela sabia que era tímido. O coração dele, batendo forte por baixo da camisa social.
Passar as mãos no cabelo dele. Sentir o vento.
Sentir o calor do sol - ele está nascendo.
- Que cara é essa?
Ela sorriu. Como explicar que seu coração já não cabia mais no seu peito? Que agora ela encontrara um caminho que a levaria pra se descobrir - pois ela sabia que, no fundo, somos o intervalo entre as decisões que fazemos e suas consequências? Que ele tinha um sorriso bonito e gostava de seu hálito de hortelã?
- Nada, não.
Carinho no rosto. Um beijo na testa.