Às vezes eu reflito sobre quais de minhas ações são realizadas em plena liberdade.
Antes de mais nada, já mudei minha noção de liberdade milhares de vezes. A primeira ideia que tive era que liberdade é quando você tem a possibilidade de fazer escolhas - mas é fácil pensar em situações nas quais você tem escolhas, mas não tem plena liberdade. Por exemplo, quando você vai a uma sorveteria e só encontra dois sabores de sorvete. Você escolhe entre os dois, mas, como só há dois sabores, você não foi totalmente livre em sua escolha - sua escolha foi ditada pela contingência, por uma coisa pré-estabelecida; sua ação não foi totalmente autônoma. Logo, nunca uma escolha entre várias opções é totalmente livre.
Alguém poderia dizer que é melhor ter opção do que não ter - e que, mesmo a escolha sendo restrita, ainda assim se tem a liberdade de fazê-la. Sim, pior ainda seria se fôssemos escravos da contingência - e muitos o são. Acredito que os indivíduos que constituem as classes mais baixas da sociedade, assim como grupos estigmatizados (negros, homossexuais, e, infelizmente, mulheres), muito dificilmente agirão de forma autônoma. Quaisquer de suas ações serão feitas baseadas em escolher o que se pode escolher, e não necessariamente o que se quer fazer. E o que é pior: movimentos que tentem igualar a liberdade das pessoas, tentando, assim, anular fatos arbitrários, exteriores ao indivíduo, são vistos com maus olhos - ações afirmativas e os movimentos negro, LGTB e feminista.
"Mas, afinal", você se pergunta, "o que é ser livre pra você, Bruna?". Digo que concordo com Kant: somos livres quando agimos com autonomia - ou seja, quando agimos de acordo com um princípio criado por nós mesmo, que tem uma finalidade em si mesmo (ou seja, quando fazemos algo para atingir tal resultado, essa ação não é autônoma). Ou seja, ser bom por ser bom. Ser justo por ser justo. Escolher por escolher. É claro que damos significado para todas as nossas açõs - caso contrário, viveríamos num vazio de sentido. Mas o que eu quero dizer é que o princípio que rege todas essas ações é algo que foi criado por você mesmo, e, mesmo que você faça algo pressupondo uma finalidade, essa finalidade será apenas consequência de seu próprio ato, já que ele termina em si mesmo. Quando você é justo por ser justo, você o faz por acreditar que essa é a forma ética de agir, esperando, com isso, corrigir alguma injustiça ou dar um exemplo.
Porém, quando percebi que, sim, de fato, concordo com isso, fiquei angustiada. Muito angustiada. Porque parei pra pensar se alguma vez na minha vida eu já fui livre. E voltamos ao começo do texto.
Claro que, prontamente, já excluí todas as minhas ações baseadas numa escolha com opções restritas. Mas depois pensei melhor. E quando, dentre as opções apresentadas, há algo que eu realmente queria? Algo que eu continuaria querendo se não estivesse dentre minhas opções? Algo que eu faria como finalidade em si? Como, por exemplo, escolher um livro dentre os disponíveis na livraria. Escolher ouvir uma música dentre as disponíveis no youtube. Escolher assistir a um programa dentre os que estão passando na televisão. Sob essa perspectiva, as coisas melhoraram!, e não mais me senti tão escrava da contingência.
É claro que alguém poderia argumentar que os motivos que me fizeram fazer determinadas escolhas autônomas são fruto da contingência (que eu escolho o livro x e não o y porque a maioria das mulheres assim o fazem, ou porque é o livro valorizado pela minha classe social, ou porque meu pai gosta do livro e eu tenho complexo de édipo, interprete de acordo com sua corrente filosófica), mas eu prefiro acreditar que não, porque eu, aos meus 17-quase-18 anos já tive tempo suficiente para decidir meus próprios gostos sem interferência direta ou predominante de grupo ou instituição nenhuma.
Também excluí ações básicas do dia-a-dia, de rotina, porque, bem, não sei vocês, mas tudo o que eu faço no dia-a-dia faço ou por obrigação ou com alguma finalidade. Sobra o final de semana. No final de semana (para aqueles que o tem livre), no feriado, nas férias temos nosso momento de liberdade. E isso nos angustia. Liberdade dá angústia!, afinal, o que é o tédio dominical senão angústia devido a ociosidade? Sim, pois liberdade dá medo - quando fazemos tudo automaticamente, é fácil, é indolor, agora quando temos de fazer decisões por nós mesmos, a situação se complica, e sentimos angústia (segundo Kierkegaard, angústia é a vertigem da liberdade). Mas enfim.
O que eu realmente quero dizer é que eu me encontro livre nas coisas pequenas que faço. Ler o final de um livro, e não o começo, só pela graça do ato. Segurar as mãos do meu namorado só pelo prazer de segurar. Sentar do lado de fora de casa e olhar pro céu só por sua beleza. Sentar ao meu piano e tocá-lo só pela felicidade que isso me proporciona. Sentar à frente do computador e escrever... e escrever, e escrever.
Autonomia é um negócio complicado.