Interessante é o fato de que ao mesmo
tempo que a linguagem pode ser esclarecedora (como quando você descobre uma
palavra que sintetiza um sentimento inteiro que você não conseguia explicar;
"nossa!, é isso mesmo!") ela pode ser tão absurdamente limitante (porque
esse mesmo sentimento pode ter várias facetas e explicações, mas assim que você
o define, ele fica preso aos ditames e à semântica da palavra em questão).
Pode-se, nesse contexto de abrangência e imprecisão, inserir as palavras
polissêmicas, que simultaneamente abrangem muitos sentidos (expressam muitas
ideias) e exatamente por isso amarram todos esses sentidos a uma coisa só.
Estranho isso, não?, o fato de algo versátil ser aprisionador. A palavra
angústia, na minha opinião, exemplifica muito bem isso. Existem muitas
"classes" de angústia, assim como muitas causas, mas a palavra é tão
vaga que tudo passa a ser "angústia" e, por se definir como tal, o
sentimento em si torna-se vago, impreciso.
E se tem uma coisa que eu odeio é
imprecisão e indefinição.
Então surge a pergunta que vem me
martelando desde que li 1984 simultaneamente a Wittgenstein ("Os limites de minha linguagem significam os limites de
meu mundo"): é possível
verbalizar o pensamento? Todo e qualquer pensamento?
A primeira resposta que me veio à
cabeça foi "sim, pois a linguagem é criação da racionalidade, logo do
pensamento, logo, deve nela haver um correspondente a tudo que é fruto do
pensamento".
Mas nosso próprio pensamento,
raciocínio é estruturado por palavras. Então, no caso, seria impossível pensar
algo que não é (ou não foi ainda) exprimido pela linguagem. Seria o pensamento
realmente limitado por palavras, por serem concretas, definidas, como uma fõrma
de bolo?
Ao mesmo tempo, o pensamento é
ilimitado. É totalmente possível se pensar em fenômenos que vão além do que se
vive no aqui, no agora, no espaço. Na verdade, questionar-se sobre fenômenos de
quaisquer natureza é o que nos caracteriza, não? Isso inclui morte,
sentimentos, princípios - tudo o que não é concreto e que não precisa ser
necessariamente vivenciado para que seja alcançado pelo pensamento criativo,
indagativo e imaginativo do ser humano. Quero dizer, é claro que não se precisa
vivenciar a morte para se pensar sobre ela, certo?
Mas isso não realmente importa, pra
mim. Se a linguagem exprime ou não o que eu quero dizer não faz tanta
diferença. Faz diferença na medida em que isso afeta as relações
intersubjetivas. E elas são imensamente afetadas. A linguagem, ao mesmo tempo
que ponte, é um grande muro que separa o meu mundo do mundo do outro. Ou mesmo
uma miragem, uma simples ilusão, ao passo que pode parecer haver uma comunhão
de significado, mas, devido ao caráter polissêmico das palavras (ou ao fato de
que a carga semântica de cada palavra, porque é fruto das experiências de cada
pessoa com a própria palavra e seu uso, varia de pessoa para pessoa), eu
transmito a, a pessoa ouve b e o que eu
realmente queria dizer é c. Então o que garante que somos
compreendidos? Partindo disso, o que garante a legitimidade das relações, de
quaisquer tipos?
Não sei. Se questionarmos demais,
cairemos num vazio de sentido absoluto.
O que importa é que, mesmo com todas as
barreiras, é de nossa natureza tentar ultrapassá-las e construir pontes entre
nossos mundos individuais. O que importa é que, com algum esforço, é possível
olhar para o outro e dizer "eu entendo o que você quer dizer" - mesmo
que não entenda; o que vale é a intenção.
(Pra não estragar o tom do texto, não
vou entrar no fato de que o ser humano pode ser muito beócio também quando
quer, ao se empenhar em não entender o outro, seu ponto de
vista, sua história, seus motivos. O que é, de fato, muito mais frequente do
que a tentativa de compreensão, mas eu tenho tentado ver as coisas não de um
ponto de vista diferente, mas com ênfase diferente.
Porque não dá pra olhar pro lado
luminoso da coisa se você não virar a cabeça, certo?)