Eu sempre tive esse jeito meio difícil.
Aliás, sabe, pensando bem, talvez eu tenha construído esse jeito difícil. Sim, isso faz mais sentido. Quem tem o coração muito grande precisa de uma caixa torácica ainda maior pra protegê-lo. Então acho que foi mais ou menos isso que aconteceu comigo.
Eu não preciso de muito mais do que uma lua, um conhaque, pra ficar comovida como o diabo.
E justamente por isso é que eu sempre duvidei bastante de todo e qualquer sentimento positivo que floresce dentro de mim por alguém, seja esse sentimento uma simples empatia, amizade, admiração, paixão - e não digo amor porque, bem, quem sou eu pra saber o que é o amor, não?
Obviamente que, agora que eu introduzi o texto, apresentei uma ou outra informação relevante e, logo em seguida, o problema, o leitor atento já espera que, agora, eu insira uma ressalva.
E o leitor atento acertou.
Num dia comum - nem muito ensolarado, nem feliz, nem triste; só mais um dia comum de inverno, com um céu muito azul de brigadeiro -, nesses nos quais você não tem expectativa nenhuma e vai vivendo meio que no piloto automático; nesse dia, eis que uma flor nasceu na rua (!).
É claro que eu não soube o que fazer. Na verdade, não sei até hoje. O asfalto que me recobria não era um asfalto de angústia ou de tristeza; mas de pura apatia, falta de expectativas e despreparo. Então digamos que, quando vi aquela flor, imagine a minha surpresa ao constatar que, por baixo de todo aquele asfalto, de fato havia alguma coisa viva!
E o mais curioso - ou, talvez, nem tanto - foi a forma como eu percebi isso. Quero dizer, como você sabe o que sente? Como percebe? Não é como se fosse possível imprimir um relatório de atividades e do status dos seus cérebro e coração (antes fosse). Então, às vezes, o que acontece é uma epifania (elas são impressionantemente frequentes, no meu caso).
A questão é que: durante um milésimo de piscar de olhos, a rotação, a translação, o ticar dos ponteiros do relógio, o bater de asas do bem-te-vi, a fotossíntese da grama, o ler do vestibulando, o bocejar do universitário, o passeio calmo das nuvens, tudo - tudo - parou. Parou, nem por razão ou coisa outra qualquer. E nesse parar do tempo, desencadeado por sabe-se lá o quê, eu só tinha em mente o quão fantástica a situação era, o quão sensacional alguém pode ser; adquiri consciência da minha pequenez e insignificância diante de alguém, pra, em seguida, mudar de ideia e pensar que não, que talvez eu tenha algum potencial, já que, convenhamos, tal ser tão fantástico dirige sua palavra a mim; pra, em seguida, fazer a anotação mental de tentar ser meu melhor possível de agora em diante; pra, em seguida, frustrar-me por antecipação do medo de isso não acontecer; pra, em seguida, balançar a cabeça pra afastar todos esses pensamentos porque, naquele momento, só o que importa é o próprio momento.
O leitor deve estar pensando que, se for assim, ele se apaixona todos os dias. Bom... acontece.
Tudo isso pra dizer que: talvez eu não saiba o que é sentir; talvez eu saiba. Mas, ultimamente, eu tenho estado com a sensação de que venho guardando o amor que nunca soube dar, o amor que tive e vi sem me deixar sentir, sem conseguir provar, sem entregar e repartir.
E eu ainda não sei como fazer pra ter um jeito meu de mostrar.
Engraçado é pensar no quanto eu pensei nisso. É que eu gosto de escrever pra colocar as ideias em ordem.
E não tem como não pensar em nada disso depois de passar dias seguidos ouvindo isto.