Love is blindness.
Foi a primeira coisa que veio
à mente dela quando abriu a janela do vigésimo quarto andar do hotel. Inspirou
o ar gelado da cidade de concreto que, às onze da noite, começava a sentir
despertar sua vida alternativa. Engraçado algo despertar na cidade enquanto
algo morria dentro dela mesma.
Olhou ao redor, para dentro
dos outros prédios. Cenas da vida cotidiana: um casal assistindo ao jornal, um
jovem debruçado sobre uma mesa cheia de livros, uma criança sendo posta para
dormir por um adulto, uma mulher passando roupa, outro casal brigando aos
gritos, um rapaz debruçado na janela também contemplando a cidade. Uma rua os
distanciava.
Quando seus olhares se
encontraram, sentiu uma faísca de compreensão. Algo como "é, cara... é
isso aí", aquela sensação de estar preso, tácito, nas alturas, quando o
mundo está lá embaixo, em ebulição.
Mas, afinal, a vida não se
resume a isso? A desencontros?
- É lindo, não acha?
- Acho.
Sorriem um para o outro,
achando bonito tanto a cena quanto a situação de plena sintonia.
- Eu poderia passar minha vida
aqui com você, Marina.
love is
clockworks and cold steel
fingers too
numb to feel
squeeze the
handle, blow out the candle
...blindness.
Deu para si um sorriso
tragicômico. Ela já estava velha demais para se comportar feito adolescente.
Pessoas vêm e vão, repete para si. Mas o aprendizado fica.
Que aprendizado? Uma vida de
cicatrizes é aprendizado? Se ela tivesse aprendido alguma coisa, qualquer
coisa, com suas experiências, provavelmente já teria tomado um coquetel de
cicuta, garçom, e não pare de servir.
Mas acontece que existe um
pequeno vaga-lume dentro dela que continua piscando. Um vaga-lume que faz o
favor de acender toda vez que acontece alguma coisa ruim. Um desgraçado de um
vaga-lume que é a única coisa que dá pra ser vista no escuro. E ele se chama
esperança.
- O que você tem?
- Não sei, Marina.
- Não vai falar comigo?
- Não.
a little death without mourning
no call and no warning
a dangerous idea
that almost makes sense
O rapaz do prédio agora bebia
algo que parecia ser cerveja. Quão patético, não? Beber cerveja, fazendo
contato visual com uma estranha, quase meia-noite, numa quarta-feira.
Ela pegou uma latinha e fez um
brinde mentalmente.
Engraçado como ela sentia que
aquele era um momento só deles. Podia haver uma cidade inteira em volta, mas,
naquele minuto, só existiam eles, os dois blocos de concreto e a rua
separando-os.
E as cervejas.
Eram companheiros de solidão.
Porque a vida se resume a isso: desencontros.
- Como assim, cara? Uma semana
atrás você dizia que me amava, agora isso?
- Não é assim, Marina. Você
que veio com essa história de morar junto, e...
- Como, não é assim? O que
você esperava que eu pensasse? Sentisse?
- Você viajou. Sério.
love is drowning in a deep well
all the secrets, and nobody else to tell
take the money, why don't you, honey
...blindness
Ele agora atendia um celular.
Saiu da janela. A luz se apagou.
É, Marina, agora só sobrou
você. Até o rapaz arrumou algo a fazer.
Que raio de sintonia era essa?
Mas que mania de achar que você tem sintonia com todo mundo! Agora o pretendido
companheiro de solidão mostrou que companhia tem limite. Porque afinal a vida
se resumiu a isso: desencontros e abandonos.
Por que mesmo você foi até a
janela, Marina?
Ah, é.
Um vôo de alguns segundos.
Solitário. Uma vida de desencontros terminou num encontro com o asfalto duro da
avenida Paulista.
Um comentário:
Adoro o jeito que você coloca trechos de músicas nos textos sem ficar algo totalmente random, mesmo que seja uma música que combine com o contexto :D
Postar um comentário