sexta-feira, 12 de julho de 2013

Atelofobia

- Muito bem, senhora Ana Regina... agora, última proposta: defina-se em uma palavra.

Nasceu. Foi direto para a incubadora. Passou um tempo, a mãe questionou.
- Não, não está forte o suficiente.
Cresceu. Estava prestes a ser matriculada na escola.
- Não, não temos vagas o suficiente.
Queria brincar.
- Não, você não é normal o suficiente.
Queria andar na montanha-russa.
- Não, você não tem altura o suficiente.
Queria estudar. Queria ler. Queria conhecer.
- Não, você não tem tempo o suficiente.
Queria tentar ser modelo.
- Não, você não tem altura o suficiente.
Queria ser útil.
- Não, você não tem idade o suficiente.
Tentou fazer aula de dança.
- Não, você não tem leveza o suficiente.
Tentou fazer, então, algum esporte.
- Não, você não tem rapidez o suficiente.
Ioga.
- Não, você não tem tranquilidade o suficiente.
Faculdade. Tentou um estágio.
- Não, suas notas não são altas o suficiente.
Tentou, então, reforço.
- Não, suas notas não são baixas o suficiente.
Quis doar sangue.
- Não, seu nível de ferro não é alto o suficiente.
Terapia.
- Você não tem problemas o suficiente.
Paquerar?
- Não gosto de você o suficiente.
Só ficar?
- Você não é mulher o suficiente.
Namorar?
- Você não é o suficiente.
Virar freira.
- Você não tem fé o suficiente.
Ficar pra titia. Literalmente.
- Não, já temos babás o suficiente.
Me escreve uma música?
- Você não me inspira o suficiente.
Queria comprar sorvete.
Não tinha dinheiro o suficiente.

Foi a gota d'água.

Tentou se matar.
- Por sorte, não inalou o monóxido de carbono por tempo suficiente.

Quando saiu do hospital, decidiu seguir vida nova e construir uma carreira.

- Ah, senhor, eu diria que sou... meticulosa.

Conseguiu emprego como crítica literária. Tocava o terror entre os escritores. Sua marca registrada era finalizar a resenha com uma palavra: "insuficiente".