quinta-feira, 28 de julho de 2011

domingo, 24 de julho de 2011

solidão

Vejo-os passando. Ouço-os conversando. Não os julgo, apenas escuto. Não opino. Entendo-os perfeitamente, mas não espero ser compreendida. Faço um comentário ou outro, irônico, e provoco risadas. Tento introduzir-me um pouco mais à conversa, mas parece que fui além do que estava sendo discutido. Recebo uma resposta cortante e me recluso novamente. Quando tempo é necessário observar até se aprender?
Eu não era nova ali, já tinha passado por isso inúmeras vezes, mas devo admitir que nunca vou aprender a me comportar dentro dos padrões e das necessidades desse grupo. Sim, é verdade que estou nesse trabalho há alguns poucos anos - quatro, para ser mais exata -, já participei de muitos ciclos e até meus empregadores já aceitaram que eu não me encaixarei perfeitamente em nenhum, mas eu continuo tentando, por ser masoquista, por ser idiota.
Eu cheguei a tentar pedir demissão, ou para ser transferida para outra área, mas meus empregadores sempre dizem que eu posso, que eu não devo negar minha habilidade para trabalhar naquela área, então os próprios me recusaram a mudança. E eu não pude fazer nada além de concordar e sair de cabeça baixa.
Mas eu não sei se sou útil. Provavelmente não. Provavelmente só estou ali para fazer volume. É fato que em trabalhos e projetos individuais eu sempre consigo impressionar meus chefes com minhas ideias, mas quando se trata de fazer uma reunião e chegar à unanimidade, minhas atitudes parecem ser todas falhas. Olham para mim como se eu fosse louca, como se eu enxergasse coisas que não existem. Pobres coitados. Eu realmente não enxergo o óbvio, porque sempre enxergo além dele! E eu me pergunto até quando, até quando essas almas se restringirão ao óbvio, ao palpável, ao fácil, ao conveniente e ao confortável? Toda grande mudança traz grandes benefícios morais, mas é tão difícil de ser fazer, precisa-se sair da zona de conforto. Sou louca por sair da zona de conforto? Sou anormal. Eu sei que sou anormal, pois o conceito de "normal" é dado pela maioria, e eu não estou nessa maioria. Mas terei de trabalhar o resto da minha vida com essa maioria, e depois de um tempo fica cansativo ser a anormal tantas vezes.
Uma vez sentei com meus empregadores e falei com eles sinceramente. De ser humano para ser humano. Perguntei a eles o porquê de toda essa tortura. Informei-os do meu vazio existencial, da minha solidão, do meu baixo moral, do meu cansaço e de uma possível desistência do melhoramento de minhas habilidades, sempre possível naquela empresa. Meus empregadores encararam-me com um misto de preocupação e compreensão.
"Sabemos por que razão você está triste", eles me disseram. "Você sente que não tem companhia". Lancei-lhes um olhar irônico. "Pelos motivos errados. Você tem de parar de exigir das pessoas o que elas não podem dar. Pare de ficar esperando, assim, sempre será surpresa. Nós sabemos que sua solidão não é física. Mas de qualquer forma, nós vamos mostrar-lhe a companhia perfeita para quando sentir-se sozinha".

E um espelho foi colocado na minha frente. "A melhor cura para a sua solidão de ideias é a introspecção".

quarta-feira, 20 de julho de 2011

o foguete

Paola deu um grande suspiro. Nada poderia tê-la preparado para o que ela iria fazer naquele momento. Por que motivo, certo? Seria tão mais fácil se todos estivéssemos prontos para tudo, mas acho que aí perderíamos a verdadeira emoção de viver. A essência da vida é isso - a imprevisibilidade. Bateu na porta e entrou.
"Lucas, meu filho, a mamãe precisa conversar com você".
O menino de olhos doces, amendoados e cor-de-mel levantou os olhos da sua construção de blocos.
"O que foi, mamãe?", ele perguntou. "Onde está o papai?". Quanta inocência exalava de cada poro daquela criança! Muito triste ele ter de tomar um banho de realidade em seus tenros 4 anos.
"É sobre isso que eu quero falar com você, meu anjo". A mãe tomou fôlego e tentou manter sua aparência forte. Ele precisaria disso agora, de muita força. "O papai não vai voltar.".
O menino piscou os grandes olhos. "Como assim, não vai voltar? Ele vai morar pra sempre no hospital?", ele voltou sua atenção para os bloquinhos. "Aquele quarto é muito triste, nós podemos levar coisas pra deixá-lo mais feliz?".
Ao ouvir aquelas palavras, ela sentiu seu coração, já partido, se esfarelar. Que menino doce! Ele realmente não precisaria ouvir isso dela agora, está tão cedo, preciso arranjar alguma forma de tornar o acontecimento menos... menos o quê?
"Meu amor", ela começou a falar, com cuidado. "O papai... ele não vai mais voltar. Ele foi embora do hospital, mas ele não vem aqui pra casa, ele não vai mais continuar... aqui. No nosso mundo."
"Como assim? Ele não vai mais ficar aqui, com a gente?"
"Ah, não, meu anjo. O papai sempre estará com a gente. No nosso coração. Mas nós não vamos mais poder vê-lo ou tocá-lo.". Um grande suspiro. "Aconteceu uma coisa com o papai que nós chamamos de morte. Isso, para algumas pessoas, significa que ele desapareceu pra sempre. Mas pra nós significa que... que ele já realizou grande parte dos sonhos dele, e foi decidido que ele precisava ir embora, pra muito, muito longe... Ele te amou muito, e vai sempre te amar, mesmo de lá longe, no lugar onde ele está agora. E antes de ir viajar, ele me pediu para nós não o esquecermos, porque enquanto nós nos lembrarmos dele, ele vai estar, de certa forma, aqui, conosco..."
O menino pareceu digerir bem a ideia da viagem. Continuou com seus bloquinhos. O problema viria depois.
"Mas, mamãe... eu vou poder sentir o papai no meu coração, mas... eu não vou mais poder jogar futebol com ele, vou?"
"Não, meu amor, não vai". Como ela poderia falar sobre morte com uma criança de quatro anos? É tão cruel! "Um dia todas as pessoas fazem essa viagem que o papai teve de fazer. Um dia eu vou fazer, e você também. Algumas pessoas partem antes do que deveriam, como o papai, e só o que podemos fazer é torcer para que isso não aconteça conosco e torcer para que nós alcancemos a felicidade antes de ir. O papai alcançou a felicidade que ele queria. Ele disse que ele só ficaria em paz e ficaria contente em partir se você crescesse bem e se tornasse uma boa pessoa. E apesar de não estar aqui com a gente, eu tenho certeza que ele vai olhar por você, por nós, e que ele vai ficaria muito orgulhoso de você de lá onde ele está..."
"Mas como ele pode me ver, mas eu não posso vê-lo?"
"Porque ele já passou por aqui. Pense nisso como se você estivesse andando em um corredor escuro, que vai se iluminando conforme você vai andando. Você só é capaz de enxergar os lugares por onde já passou, os lugares que você já conheceu, pois há várias luzes acesas, mas você não consegue ver aonde você está indo. Você não sabe onde esse corredor termina, nem o que tem ao longo dele. Entende?"
"Sim, mamãe."
Ela suspirou, aliviada. Afinal, não tinha sido tão difícil assim.
"Mamãe... você acha que ele pode nos escutar?"
Melhor responder o que vai fazê-lo se sentir melhor. É só uma criança. "Acho que sim, meu anjo".
"Então toda noite antes de dormir vou contá-lo sobre meu dia. Assim, o desejo dele de me ver crescer e me tornar um bom garoto vai se realizar antes, não acha? Porque eu vou estar sempre contando tudo pra ele..."
A mãe abraçou-o, com força. Aquele pequeno ser que era parte do ser que a deixara. O jeito meigo de olhá-la ele herdou do pai.
"Nós dois vamos sentir muito a falta dele, não é, meu anjo?"
"Você está chorando, mamãe?" Lucas encarou-a. "Não se preocupe. Eu posso tentar fazer sua refeição favorita que o papai faz. Vai ficar tudo bem."
Sim, ficaria tudo bem. Paola reparou nos bloquinhos do filho. Ele havia feito um foguete.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

trânsito

"E agora, notícias do trânsito comigo, Tatiana! Hoje os marronzinhos estão concentrados no fim da Presidente Vargas, em frente ao Ribeirão Shopping, na Independência, próximo à FAAP e na Francisco Junqueira, próximo ao Epicurista. O trânsito encontra-se pesado na rotatória da Fiusa com a Independência, e, como sempre, procure evitar a Nove de Julho na hora do rush, entre seis e sete horas da noite. A avenida Caramuru está com alguns trechos interditados com a operação Tapa-Buraco, antes tarde do que nunca, e um acidente aconteceu na Garibaldi com a Campos Salles, deixando o trânsito muito lento num raio de três quarteirões. Esses foram os avisos do trânsito, comigo, Tatiana."

E o rádio continuava tocando, sem que Amanda desse muita atenção. Aquele calor saariano, a umidade relativa do ar alcançando índices desérticos e a previsão do tempo com suas notícias, com o perdão do pleonasmo, previsíveis. Nada de chuva até que a tal massa Polar chegasse ao sudeste brasileiro. Pois é. Mais um dia torturante na cidade de Ribeirão Preto.
Porque o aviso chegou tarde demais, Amanda encontrou-se parada a um quarteirão do acidente, no qual uma motocicleta (obviamente), um pedestre e um carro (que ultrapassara o sinal vermelho) casualmente encontraram-se. Enquanto bombeiros tentavam tirar o pedestre e o motorista das ferrugens do (que tinha sobrado do) carro, um policial tentava assumir o papel do sinaleiro. Sem muito sucesso, pois era uma hora da tarde e os motoristas só pensavam no prato de almoço que já deveriam estar comendo.
Ah, desligou o condicionador de ar, abriu os vidros e desligou o motor do carro. Quanta agradabilidade! Um indivíduo beócio na caminhonete ao lado do veículo de Amanda estava com os vidros abertos escutando um pagode de quinta no volume máximo (porque além de ficar surdo, queria ensurdecer os outros também). Duas mulheres brigavam estridentemente no carro atrás, e um homem no veículo à sua diagonal parecia estar exausto com a situação toda.
E isso era só mais um dia. A situação estava apenas um pouco mais caótica do que já costumava ser. A diferença para o trânsito do dia-a-dia eram os corpos queimados no asfalto, a ambulância impedindo a passagem dos pedestres (que, sem ter para onde ir, costuravam por entre os carros) e algumas buzinas a mais. Nada de muito extraordinário.
Nada de muito extraordinário? Três pessoas correndo sério risco de vida, e não era nada de extraordinário? Bom, Amanda foi condicionada a ter essa reação - na verdade, a ter essa falta de reação - em situações assim. Todos os dias somos bombardeados com notícias regurgitadas de acidentes e catástrofes e não cai a ficha de que pessoas é que morreram. Vidas foram tiradas. Mas nos foi imposto de que são só números. Alguns números a mais. Alguns corpos a mais no solo putrefato do cemitério, alguns números a menos nas estatísticas da população mundial - que logo são substituídos pelos crescentes índices de natalidade de países miseráveis.
Triste isso, não? Essa desumanização das pessoas. E isso acontece todos os dias, sem que a maioria de nós perceba. Desumanização, despersonalização, desvalorização - quase um esvaziamento da essência humana, sim?, pois é algo muito humano a necessidade de se encontrar e de formar sua personalidade. A desvalorização de vidas é uma negação do próprio instinto animal de sentir compaixão por seus próximos e semelhantes. Brutalidade! Crueldade!
Mas puta que te pariu, pagodeiro! Faça um favor ao mundo e feche os vidros!
Algum sinal de movimento? Acho que não. Amanda olha pelo retrovisor. A fila de carros estendia-se por 5 quarteirões. Por que razão o policial não desiste de ser sinaleiro e vai dar sinal cinco quarteirões para trás, indicando para as pessoas pegarem outro caminho? Santa incompetência brasileira. Santa incompetência civil!
Impressão ou o carro da frente se moveu? Sim! Amanda liga o carro e aproveita a oportunidade para sair daquele inferno, inferno de reflexões, de remorso, de pesar em que ela tinha estacionado ao dar-se conta da situação em que se encontrava. Deu a partida e acelerou para fora de lá.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Tenho muito medo de ser bem-resolvida com minhas questões e dores.
Tenho muito medo de, uma vez resolvida, perder toda a minha inspiração pra escrever, perder meus objetos de estudo e reflexão, e me tornar só mais um ser despreocupado e estupidamente feliz andando por aí.
Não que eu tenha medo de ser feliz. O objetivo, o sentido da minha vida é a busca pela felicidade, não em um sentido hedonista, mas no sentido de fazer algo que me preencha. E acredito que só é possível descobrir aquilo de que você gosta quando se tem bem definido tudo de que você não gosta. Só se pode saber o que quer quando se sabe o que não quer. Mas eu tenho medo de definir tudo, definir exatamente o que eu quero e o que eu não quero, porque e aí?, o que eu faço depois? Enquanto estou cercada pela indefinição, ainda tenho muitos leques de possibilidades, muitas alternativas, muitas reflexões para fazer, tenho muito o que discutir e argumentar. Mas a graça da dialética é a troca de ideias e informações, e ter uma opinião já formada e bem resolvida acerca de tudo torna o ato sem graça para os dois lados.
Outro dia assisti a um episódio de House em que justamente essa questão é trabalhada. House tem medo de fazer terapia, de resolver seus problemas e de se livrar da dor na perna porque acha que, feito isso, ele perderia seu diferencial como médico. Eu também sinto que, sem minhas dores, eu poderia perder minha habilidade de reflexão. Eu fiquei com a impressão, depois de começar a fazer terapia, que eu não tinha mais sobre o que escrever. Visto que a escrita é um dos meus únicos talentos que eu mesma reconheço e que até aprecio, deparei-me com uma problemática.
O sofrimento nos faz, nos obriga a crescer. Quando não há mais sofrimento, como se cresce? Não que eu acredite que é possível viver sem sofrimento - não é, mas quando muda-se as formas de lidar com tal, os resultados também mudam.

Inutilidade é o pior sentimento do mundo.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

a rotina de uma criança

Estava lá, feliz, com uma mochila contendo brinquedos, livrinhos, cadernos de colorir e vários lápis-de-cor, uma mão colada na mão do pai e a outra na mão da mãe. Até aquele momento sua existência tinha sido muito curta. Sabia basicamente de três coisas: o pai sorri de um jeito diferente para a mãe, não devo sair de perto de quem me ama caso contrário posso ser pego e devo sempre guardar os lápis-de-cor no estojo depois de usá-los. É claro que já tinha aprendido muitas outras coisas, mas essas outras tinham pouca aplicabilidade ou não faziam muita importância no final das contas.
Seguiu a mãe e o pai enquanto entravam numa loja muito, mas muito grande, com muitas luzes, muitas máquinas, muitas cores, nossa! que tontura. Acordou do devaneio quando sentiu o pai puxando-o pela mão.
"Essa loja tem muitos livros que você um dia vai ler, Tiago", ouviu o pai falando-lhe. Passeando por lá, viu que realmente a loja tinha muitos livros. Uns com capas feias e sem-graça, sem falar da grossura.
Foi para a parte mais chamativa e começou a entreter-se com um livro sobre espiões.

"Agente Tiago", ele ouviu, "precisamos de você na seção de jogos".

Tiago levantou os olhos. O lugar era grande e metálico. Levantou-se, tirou seu GPS portátil - tecnologia de ponta de sua empresa supersecreta - do bolso do casaco e encontrou-se. Saiu andando e virou no primeiro corredor à sua direita, cuja porta de acesso encontrava-se arrombada. Estava frio, sua respiração estava acelerada, e apenas seus batimentos cardíacos e seus passos ecoavam na escuridão. Tiago acionou a lanterna de seu relógio e prosseguiu.
A cada passo que dava, mais frio ficava. Continuou andando - e, poucos passos depois, o som dos seu caminhar foi ficando diferente, como se ele estivesse pisando em alguma coisa. Com um pouco de receio, apontou a luz da lanterna para seus pés e - argh! Será que... será possível? Não pode ser! Tiago pegou uma amostra da substância em que pisava e provou -a. Sim! Como pensando! Marshmallow derretido! O caso é pior do que eu imaginava. O indivíduo não só fez um estrago imenso, como também desperdiçou todo esse material de conteúdo imprescindível para a sobrevivência. Monstro! Perturbado! Doente!
Tentou segurar a respiração para não ser ludibriado pelo aroma doce e queimado do marshmallow. Ele devia prosseguir, não importava mais nada.
Acabou-se o corredor. Mais uma porta. Alarme destruído - hm, muito interessante, o indivíduo desabilitou o alarme com várias pancadas seguidas de curto-circuito causado por refrigerante de cola -, porta arrombada... e, pela ausência de pegadas, supõe-se que o homem está lá dentro ainda. Entrou. Era uma sala como o resto da construção - metálica, sem janelas, com condicionadores de ar... o diferencial era o grande cofre, que continha as versões mais novas e as vezes inéditas de jogos para computador ou videogame. Tiago respirou fundo e conteve uma lágrima - estar ali era muito emocionante.
Muita tensão. Tiago armou-se com shampoo Johnson's Baby - chega de lágrimas? questionável - e apontou a lanterna para dentro do cofre.
"Agente Tiago, CI 2004, você vem comigo por violar leis de invasão de propriedade privada e desperdício de material alimentício". Sem resposta. "Estou armado. Saia pacificamente ou terei de agir."
Uma sombra começou a sair do cofre. Estava coberto de marshmallow e tinha vários jogos nas mãos - todos danificados. Tiago não conteve sua expressão de indignação. Saiu em disparada na direção do homem, que permaneceu ali parado, sorrindo. Foi correndo, cheio de raiva, chegava mais perto, mais perto, até que escorregou no marshmallow e foi derrapando ao encontro do homem, que também estava armado - com bombas de legumes.
Seu final era inexorável. Tiago viu sua vida, tão curta, passar pelos seus olhos, lembrou-se do bolo que devia ter comido, lembrou-se da mãe e sobre como ele esquecera de entregar-lhe o cartão que fizera para ela...
Caiu. O homem foi aproximando-se.
"Tiago.", sua voz era maligna. Mas familiar. "Tiago..."

"Tiago?", era seu pai. "Tiago, filho? Você está bem? Estou te procurando faz muito tempo, até que você passa correndo por mim, e cai, de repente! Está tudo bem?"
Tiago suspirou. "Não, pai. Eu não consegui pegá-lo." E agora, quem terminaria a missão? Ele seria motivo de piada na empresa, escorregou no marshmallow... que vergonha.
"O quê?", o pai parecia não entender a seriedade da situação!
"Nada, pai. Eu cuido de tudo depois". Ele deu as mãos para o ingênuo pai e os dois foram ao encontro da mãe.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

união

Silêncio. Não do tipo constrangedor, nem do tipo questionador, nem do tipo ensurdecedor. Só o puro silêncio, sem nenhuma interpretação, podendo ser analisado como uma pausa entre notas.
- Você não vai me perguntar mais nada?
- Não. Não preciso saber mais nada pra concluir que você é absurdamente perturbada. Aliás, eu comecei a suspeitar disso quando vi você entrando. Apesar do seu olhar penetrante e da sua pose ferina, algumas coisas te denunciam, como suas unhas por fazer, seus sapatos gastos e seu cabelo por pintar. Se você vivesse inteiramente por essa vida, sua apresentação estaria impecável.
Luana surpreendeu-se mais uma vez. Torceu a barra do seu robe com as mãos e mordeu a língua.
- Você tem alguma ideia acerca do motivo de isso acontecer com você? Quero dizer, essa quebra dentro de você...
- O que é você? Um psicanalista? Eu não sei e não quero saber.
Victor olhou para baixo, compreensivamente. Aquele ataque fora só uma forma de defesa.
- Sabe, minha mulher diz que eu sou um babuíno que não consegue controlar seus impulsos sexuais. Não sei por que ela começou a falar isso, nunca dei motivos para tal, mas uma mulher infeliz consegue achar impurezas em qualquer lugar, e de certa forma...
Victor ia falando, mas Luana sentia como se tivesse sido sugada para outra dimensão. Uma dor de cabeça insuportável e um bombardeio de memórias haviam tomado conta de sua mente. Ela queria gritar, queria correr, jogar-se de cima do prédio, bater sua cabeça contra a parede para fazer tudo aquilo parar, mas seu corpo só respondeu àquilo com um súbito desmaio.
Uma criança sorrindo, de rosto conhecido - um dos alunos de Luana. Um homem chegando - Victor. Os dois aproximando-se. Eram filho e pai. A criança corre, parecia não querer ficar na presença do pai, ela quer ser livre, fazer o que quiser. O pai coloca as mãos no rosto, visivelmente transtornado pelas atitudes do filho, refletindo se não é melhor deixá-lo fugir, vira as costas e começa a ir embora. Mas algo os impede. A criança tropeça e cai, o pai, instintivamente ao ouvir o barulho da queda, vira o rosto e o vê, sangrando, chorando, e corre em sua ajuda.
Quando estavam na iminência de darem-se as mãos, a cena muda.
A sala onde Luana dava aula. Em vez das crianças, lá estavam babuínos, e a professora usava vermelho e um decote que mostrava mais do que deveria. Ela dava aula. Um dos babuínos começa a comportar-se mal.
Quando Luana ia reprimi-lo, a cena muda.
A sala vermelha. Luana de branco, óculos e cabelos presos num rabo-de-cavalo, sentada numa poltrona, rodeada por prostitutas, ensinando-as história. Uma das moças levanta a mão para fazer uma pergunta.
Quando Luana ia atendê-la, ela acorda.

No hospital.

O barulho esperançoso do monitor que mostrava sua frequência cardíaca foi ficando cada vez mais alto, sons de pessoas andando e conversando ao longe foram ficando mais distintos, pouco a pouco ela começou a ouvir os barulhos da cidade até que, por fim, abriu os olhos.
Viu uma enfermeira se aproximando.
- Ah, você acordou! Antes do previsto, que bom! Achávamos que você só ia acordar daqui uns três ou quatro meses.
- O quê? Faz quanto tempo que eu estou aqui?
- Dois meses. Pelo que sei, você sofreu grande estresse e seu cérebro meio que entrou em curto-circuito. Você se desligou, garota, entrou em coma. Que bom que foi socorrida a tempo, o seu marido estava super preocupado...
- Quem?
- Seu marido, Victor. Foi ele quem te trouxe aqui, lembra?
- Meu... marido?
Victor entra na sala, com uma expressão ansiosa e cabelos amassados de quem tinha acabado de acordar.
- Fui bipado, me disseram que estavam monitorando a atividade cerebral e que ela estava se normalizando e...
Os olhos de Victor encontraram os de Luana. Ele prendeu sua respiração um instante.
- Minha garota, você acordou!, ele saiu tropeçando e caiu aos pés da maca de Luana, segurando sua mão. Você se lembra do que aconteceu?
Luana acenou negativamente com a cabeça.
- Não tem importância, olha, olha quem veio aqui te visitar... Olha, Tiago, a mamãe acordou!
Um menino de aproximadamente 6 anos foi entrando timidamente no quarto. Cabelos louros, olhos cor-de-mel, suas mãozinhas torcendo a barra da camiseta.
- Mamãe, você dormiu tanto tempo...

Ao ver esse rosto, ao ver o rosto de Tiago e olhar para os olhos cor-de-mel de Victor, tudo atingiu Luana de novo. Ela lembrou-se de conhecer Victor na faculdade e casar-se com ele alguns anos depois, de começar sua carreira de professora, de ter um filho, de começar a ter lapsos momentâneos e perda de memória recente, de ir a um psiquiatra que diagnosticou-a com um certo transtorno de personalidade, lembrou-se de começar a surtar com sua vida perfeita com Victor, de dar aulas para seu próprio filho, de começar a irritar-se com nada, de começar a sair a noite, de arrumar um escape para toda sua bilateralidade, de Victor apoiá-la e encontrar-se com essa outra personalidade e ajudá-la a se recuperar... Tudo isso atingiu-a em alguns milésimos de segundo, mas, dessa vez, não causou um desmaio.

- Você está bem, meu amor?, a voz de Victor a trouxe de volta.
- Estou, sim... acho que agora estou bem.

Tiago sorriu e sentou-se no pé da maca de Luana.
- Senti sua falta, mamãe.