domingo, 25 de abril de 2010

(continuação do encontro)

Tina bufou, mas riu. Luna sempre tivera essa mania de ligar coisas sem ligação. Luna fingiu não ligar e continuou.
- É, é sério. De repente eu ouvi barulhos vindo do túnel por onde eu entrei, e vi um grupo de umas 7 pessoas entrando, homens e mulheres, com roupas pretas e máscaras que pareciam ser de carnaval, eram todas coloridas com muitos detalhes em prata. Por isso não consegui reconhecer ninguém. Eu não consegui me mexer, fiquei parada, atônita. Quando me viram lá, pararam de andar, então um homem com a máscara mais imponente gritou "Peguem-na!", e eu poderia jurar que era a voz do diretor da minha escola!
Tina piscou os olhos duas vezes, bem devagar, enquanto tomava seu chocolate quente, que já esfriara.
- Eu saí correndo, obviamente, quando vi três brutamontes com máscaras que lembravam gárgulas correndo pra cima de mim. Eu contornei a mesa e entrei pelo outro túnel. Comecei a subir uma escada, e vi uma luz no fim, dava pra biblioteca. Os três pararam de me perseguir mas eu continuei correndo, e ao chegar no último degrau, eu dei um passo em falso e quebrei a perna. Teria sido o maior mico, eu saindo de um túnel embaixo da biblioteca, mas coincidentemente não tinha ninguém na sala. E também...
Luna se interrompeu. Tina ia perguntar por que, mas Luna tampou sua boca. Ela apontou com a cabeça para a mesa ao lado da delas, e apenas com os lábios falou para Tina escutar, e que aquela era a voz do cara com a máscara imponente. Era realmente o diretor da escola, e ele estava com mais dois homens.
Eles falavam delas.

tina e luna se encontram

O trem de Tina chegou à estação. Ela estava bem cansada depois de horas de viagem. Um avião, um táxi e um trem para chegar até Luna, que a esperava na entrada da estação. As duas se olharam. Tina fitou a perna quebrada de Luna e apertou os olhos, numa expressão mista de desconfiança e preocupação. As duas não se viam havia seis meses, e antes de Tina se mudar para outro continente, eram melhores amigas. O clima era estranho.
- Então, quando você pretende me contar o que aconteceu pra você quebrar a perna, Luna? - Tina por fim falou.
- Vamos a um lugar mais privado, Tina - Luna respondeu.
As duas foram até um café ali perto mesmo. Era uma segunda-feira de tarde. Estava frio e ventando de uma intensidade desagradável, logo, havia poucas pessoas transitando pelas ruas. Andaram silenciosamente, cada uma concentrada em controlar a batida dos dentes e a falta de calor de suas mãos. Chegaram ao café.
Um ambiente quente, sombrio porém convidativo as recebeu. Luna escolheu uma mesa no canto, afastada das outras, para terem mais privacidade. Cheiro de bolinhos, café e chá faziam o lugar cheirar a casa de avó.
- Tina, eu entrei nas passagens secretas da biblioteca - Luna disse, depois de pedirem um chocolate quente cada uma.
- E o que tem lá de ligação com a Sangue e Tinta? - Tina respondeu, depois de bebericar seu chocolate quente e constatar que faltava açúcar. - Ou Tinta e Sangue, que seja.
- Bom, é como uma sede, ou clube. Não sei. Todas as passagens secretas têm túneis ligando umas às outras, isso não consta no mapa, mas eu descobri. Cada sala tem dois túneis. Elas são pequenas com sofás vermelhos e pretos, estantes de livros aparentemente proibidos na biblioteca e quadros, muitos quadros do que eu presumi serem membros honorários da Sociedade. Vi um quadro da Maria Cristina.
- E o que tem nos livros? Você os folheou?
- Claro que não, Tina! - Luna olhou para Tina como se ela fosse louca. - Faltavam várias salas ainda pra eu visitar. Enfim. Eu cheguei a uma sala que não estava no mapa, que fica bem embaixo do salão principal da biblioteca. Tipo, EXATAMENTE embaixo. Tem até o formato do piso do salão principal. Enfim, de novo. Acho que deve ser a sede da Sangue e Tinta daqui, porque tinha vários sofás e poltronas, muito mais livros e uma mesa enorme, com muitos assentos, com muitos papéis em cima. Os papéis eram planos, leis, projetos de leis, combinados, acordos, mas no geral planos da Sangue e Tinta. E foi aí que eu quebrei a perna.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Tina

Isso é um telegrama. Devo escrever pouco. Na próxima carta virá uma descrição da Sociedade. Fui me infiltrar nas passagens da biblioteca. Fui surpreendida. Quebrei a perna. Venha logo. Estou assustada. Conhecemos mais membros do que sabemos. Preciso de ajuda. Não descobri muitas coisas além de planos políticos. Não posso escrever mais.
XXX
Luna

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Sangue e Tinta, Luna!

Esse é o nome da sociedade da qual querem que a gente participe. Que nome, hã? Não é muito convidativo. Tenho minhas incertezas com relação a essa coisa toda.
Mas, sobre a carta. Olha só. Eu fui dar uma vasculhada no livro da minha família (um livro em que estão escritos todos os nomes das pessoas da minha família, numa gigantesca árvore genealógica) e eu achei uma Maria Cristina. Ela era irmã da minha bisavó. Aqui diz que ela morreu jovem, não foi especificado de quê, com vinte e poucos anos de idade, e sabe, algo me diz que isso é mentira. Descobri mais uma coisa. Somos da mesma família. Temos um parentesco bem distante, mas ele existe. A Maria Cristina era prima de segundo grau da Luna. Engraçado, certo? Somos parentes.
E tem mais. Esse livro está na casa que era da minha bisavó Amanda (irmã da Maria Cristina). Minha bisavó está meio afetada pela idade já, mas outro dia, quando perguntei a ela sobre a Maria Cristina, ela só se levantou da cadeira de balanço dela, andou até o quarto, abriu a primeira gaveta do seu criado mudo e me entregou um diário.
O diário da Maria Cristina.
Tem tudo lá. Desde o dia em que ela entrou na sociedade. Ela relata que coisas bem estranhas aconteciam com ela no começo, assim como com a gente. Mas não gostei do que li. Ela diz que todos levam tudo bem a sério, e que seu maior medo era de ficar assim também. (Pela carta que ela mandou para Luna, podemos supor, né, que...)
E o mapa que você encontrou? Você ainda não me falou quais são essas salas secretas, se já as explorou, ou alguma coisa do tipo.
E eu vou te fazer uma visita daqui duas semanas. Já está programado.
Se cuida, Luna.
Tome cuidado. Esse povo é sério.
Live long and prosper.
Tina

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Tina. Pasme.

Aqui, a carta. Eu não modifiquei nada. O Roberto "traduziu" a carta que você achou pra mim, aqui é a letra dele mesmo. Eu fiquei muito assustada quando li. Isso deve responder algumas das suas perguntas. Os nomes são bem estranhos. Devem ser pseudônimos. Ah, Roberto disse que descobriu, usando o mapa que eu achei, como transformar os pseudônimos em nomes reais, ele disse que há uma regra. Não entendi nada do que ele fez, mas, pasme!, "Aluneta" fica "Luna" e "Etinália" fica Tina. Ou seja, nossos antecessores se chamavam respectivamente Luna e Cristina. Minha bisavó se chama Luna. Será que é ela?
Enfim. Eis aqui a carta.
Até mais,
Luna

Cara Aluneta,
Acho que os maçons não gostaram do que você fez. Parabéns, agora você vai desencadear uma briga entre sociedades que viveram 200 anos em paz. Parabéns! E tudo isso por qual motivo? "Ah, Etinália, eu acho que seria divertido criar umas mentiras sobre eles, quem sabe assim os policiais não saem do nosso pé". Pra quê você foi falar que foram os maçons que saíram distribuindo todos aqueles cartazes anárquicos pela cidade? Não faz nem sentido. São todos burgueses. Você nos ferrou. Mal entramos na sociedade já seremos expulsas, Aluneta. Uma linhagem de três gerações de nossa família na sociedade será quebrada por sua culpa.
Desde o começo você estava tão empolgada, não é? Com essa história de sermos ativistas e coisa e tal. Você deve estar se achando "a" intelectual. Metida. Muito metida. Só porque decifrou os criptogramas que nos levaram à sede acha que é a maioral. Acorda, Aluneta.
Você só está na Tinta e Sangue agora pela diversão de fazer protestos às escuras com um moço de cabelos e cabeça rebelde ao seu lado, certo? Eu estou pela política, Aluneta, nós podemos mudar no mínimo nossa cidade, podemos acabar com a hegemonia maçônica por aqui. Eles são muito influentes por aqui. Há maçons no governo. Todos tiranos, burgueses. Precisamos fazer alguma coisa.
Pense bem no que você vai deixar para seus netos.
Com carinho, Etinália.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Como assim, Luna?

Como assim, perseguidos políticos rebeldes intelectuais? Eu conheço a minha árvore genealógica inteira e detalhadamente, e não lembro de ler sobre nenhum perseguido político. Deixa quieto.
Querem que a gente faça parte de uma sociedade... certo. O símbolo que estava na carta em que eu achei devia ser da sociedade, certo? Descobriu o significado das letras S e T no símbolo? A sociedade então é para intelectuais. Consideram a gente intelectuais por quê? Ou existe algum tipo de treinamento? Pode me mandar uma tradução da carta e do seu mapa? Tantas perguntas.
Eu dei uma pesquisada aqui... E descobri uma coisa absurda. Minha cidade não tem nenhuma ligação (documentada) com a sua. Ou seja, acho que esse negócio de sociedade secreta é pra valer. Luna, eu não sei o que achar dessa história toda. Quero dizer, eu me mudei há dois anos. E tudo isso começa a acontecer agora. Por que não aconteceu antes? Será que a idade é importante nessa tal sociedade? E o que nós temos de especial (além de descendentes) que nos torna aptas a entrar nessa sociedade? Tantas perguntas.
Não sei se isso é importante, mas outro dia eu fui à biblioteca e reparei que em cima da porta, do lado de fora, há a inscrição "com tinta se arma, com tinta se desarma" e por dentro está escrito "com sangue se dá, do sangue se tira". Acho que dá pra relacionar com toda a esquisitice que está acontecendo. Certo?
Quero logo uma cópia da carta e do mapa.
Faça pesquisas por mim, por favor.
Ah, com toda essa história, estou pensando em voltar.
Por uns dias.
Live long and prosper.
Tina

terça-feira, 13 de abril de 2010

Tina,

Sem tempo pra falar. Essa carta chegará rápido. Criptogramas decifrados. Tradução: perseguidos políticos rebeldes intelectuais. Ligação conosco: somos descendentes deles. Te explico na próxima carta. Querem que a gente faça parte de uma sociedade. Não descobri a ligação com a biblioteca. Depois te explico a falta de tempo e de caracteres. Aguardo uma resposta rápida. Luna.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Querida Luna,

Desculpe por não ter escrito. Eu não tenho tido muito tempo. As coisas por aqui também estão bem estranhas, pra falar a verdade. Quando li sua carta, fiquei muito assustada. Sabe, eu tenho trabalhado voluntariamente no asilo daqui. Outro dia, um senhor que eu nunca tinha visto estava andando quando deixou cair uma carta. Eu a peguei com a intenção de devolvê-la, mas vi o nome da nossa cidade e da biblioteca municipal no verso e algo me disse que eu deveria ficar com essa carta. Não sei o que está acontecendo, Luna, acho que tem alguém brincando conosco...
...Mas como a pessoa estaria brincando com nós duas ao mesmo tempo? Quero dizer, moramos em continentes diferentes agora. Vou fazer algumas pesquisas e ver o que nossas cidades têm em comum. Eu também me pergunto por que nunca fizeram nada disso com nós duas juntas.
Mas voltando. Abri a carta, e eu não entendi nada do que estava escrito. Presumo que sejam os mesmos criptogramas do seu mapa. Então estou mandando-a também, peça pro Roberto traduzi-la pra gente.
Mas Luna, faz uma coisa. Eu sei que na biblioteca tem uma sessão de livros de códigos e enigmas (já passei muito tempo lá com o Roberto, ele lendo e eu organizando, você sabe), você podia pesquisar sobre esse código das cartas especificamente... Veja de que época é, por quem era usado, ligue os pontos com a nossa cidade, com a biblioteca, com o que quer que seja, e me fale. Isso é realmente muito estranho. Eu vou tentar fazer a mesma coisa aqui.
Última coisa. Você conhece algo cujo símbolo é um S e um T entrelaçados por uma rosa, uma caneta dessas de tinta e um punhal?
Eu respondi o mais rápido que pude.
Então não me faça esperar muito.
É sério.
Felicitações,
Tina

domingo, 11 de abril de 2010

Querida Tina,

Por que você resolveu sumir? Sinto sua falta. Tenho tanto pra contar... Coisas bem estranhas têm acontecido comigo ultimamente, sabe? Desde que você mudou, parece que o mundo está conspirando. Apenas conspirando, ainda não sei se a meu favor ou contra. Parece que todos os meus passos foram anteriormente calculados por alguém. É meio estranho, uma sensação meio Matrix. Você vai me entender.
Mas enfim. Deixe-me te contar. Outro dia eu estava lá na nossa escola, no mesmo banco em que nós costumávamos sentar, ao redor daquela árvore grande, quando notei algo estranho no interior oco do tronco. Tão clichê isso, certo? Quero dizer, se estivesse lá há muito tempo, nós duas teríamos visto. Mas não. Aquilo simplesmente APARECEU lá depois de você se mudar.
E, você sabe, sou muito curiosa. Obviamente eu coloquei a mão lá dentro e peguei a coisa. Era uma carta com um mapa desenhado da biblioteca municipal. Era antigo, datado de 1938. A carta era toda escrita em criptogramas, não consegui decifrar, você sabe que sou péssima em códigos e enigmas. Mas eu a passei pro Roberto decifrar, lembra dele? É, ele gosta de desafios...
Eu fui até a biblioteca. Passeei por lá e entrei na sala de leitura. Você já tinha reparado num quadro que é na verdade a planta da biblioteca? Pois é. NEM EU! Tirei o meu mapa do bolso e comparei com a planta do quadro, e adivinha, tinha coisas a mais no meu mapa.
Como se fossem passagens secretas.
E enquanto eu andava na biblioteca, parecia que todos os funcionários me olhavam, mediam, espionavam, encaravam. Por toda estante de livros pela qual eu passava eu achava que um livro ia cair e que eu ia entrar em uma sala secreta.
Fui correndo pra casa analisar direito o mapa. As salas eram nomeadas com a linguagem enigmática do resto da carta, então o dei para Roberto também. Ele disse que me devolve depois de amanhã. Tina, o que você acha disso? Você é que sempre gostou de aventuras. Por que isso está acontecendo só comigo?

Espero sua resposta logo.
Com carinho,
Luna

quarta-feira, 7 de abril de 2010

frio

- Alguém me escuta? - Bruna berrou e suspirou. Após isso, perdeu todas as suas forças. Estava muito frio, e juntar forças para gritar daquela altura, intensidade e força demorou. Com certeza em vão, quem estaria nas proximidades naquele instante, naquele frio?
O aquecedor começava a dar problemas. O frio tentava dominar aquele lugar, Bruna podia ver as massas de ar congelante entrando e saindo de seus pulmões. Seus lábios estavam roxos, assim como as pontas dos seus dedos. Perdera toda sua sensibilidade, não conseguia chorar - a lágrima esfriava ainda mais seu rosto, já vermelho de frio. Desejava ser uma máquina. Bom, de certa forma, ela já era uma máquina.
Bruna olhou ao redor do que era para ser o chalé em que ela passaria suas férias de inverno. Agora era apenas uma casinha de onde não era possível sair. As portas e janelas estavam todas impossíveis de serem abertas por dentro. Só com a ajuda de alguém de fora ela conseguiria sair daquele lugar tão frio.
Passou algum tempo. Impossível dizer se foram instantes, minutos ou horas, mas ela ficou ali, sentada, esfregando as mãos perto do que restava de fogo e ocupando sua mente com o que restava de esperança.
- Tem alguém aí? - Bruna ouviu uma voz de fora. Primeiro achou que estava ficando louca, depois fez o máximo de silêncio para ouvir a voz de novo. - Oi, tem alguém aí dentro?
- Tem sim! Eu estou presa! - Bruna disse com a voz surpreendentemente rouca, e rezou para que a voz escutasse. - Por favor, me ajude a sair daqui...
- Fique calma, eu vou tentar te tirar daí - a voz era masculina. - Vou tentar abrir a porta, e depois a janela.
Bruna suspirou. Seu rosto ficou mais liso. Até apareceu um esboço de sorriso ali naquela boca torta. Agora ela tinha alguma chance de sair dali e de viver de novo. Enquanto ouvia a voz cavando a neve e realmente se esforçando para tirá-la de lá, sentiu-se desmerecedora de toda aquela atenção. Sentiu-se preguiçosa. Levantou-se e foi até a porta, para tentar abri-la também.
- Sem chance de entrar pela porta. Tem uma camada imensa de água congelada aqui, moça - a voz masculina disse. - Vou tentar abrir a janela.
Mesmo sabendo que ele não via seu rosto, ela balançou a cabeça, consentindo. Foi até a janela, embaçada, esperar. Foi quando viu o rosto de seu salvador. Combinava bastante com a voz. Seu sorriso passava uma segurança que agora ela tinha certeza absoluta de que sairia dali. Ele retirou muita neve da janela, do lado de fora. Quando conseguiu chegar ao vidro, fez um pouco de força mas o vidro cedeu e quebrou, abrindo uma enorme passagem. Bruna estava livre. A voz masculina deu um sorriso, ofereceu-lhe luvas e disse:
- Ah, meu nome é Pedro.