segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

sobre o céu, o vento, swanage


A primeira coisa que constatei depois de alguns poucos dias em Swanage foi que o céu era lindo.

Todos os dias havia algo a ser feito, pela escola, alguma atividade, geralmente em outra cidade. Às vezes voltávamos antes do previsto, e eu ia para um monumento, em memória dos cidadãos de Swanage que lutaram nas guerras mundiais, que ficava em frente à praia. Em volta desse monumento havia quatro bancos, e o meu preferido era o que ficava de frente para o mar.
O clima em Swanage era agradável. O calor do sol não deixava a pele ardendo, não estava frio, e não choveu nem meia dúzia de vezes. O constante vento, típico de cidades litorâneas, era muito bem-vindo, e vez ou outra as nuvens saíam do caminho e me deixavam ver o sol.
Sentava-me lá, muitas vezes sozinha. Mas era uma solidão muito por mim apreciada. Eu respirava calmamente, para deixar registrado na minha memória todos os odores que eu podia sentir. Olhava para o mar. Uma imensidão azul e verde. De lá dava pra ver a praia inteira, de ponta a ponta. Eu via o píer, perto de onde eu costumava comer crêpes de Nutella de jantar ou pizza, eu via as Old Harry's Rocks, eu via todas as lojas a que eu gostava de ir. Era o lugar perfeito.
Sem nenhuma distração, companhia ou algo a ser feito, eu não fazia muito além de olhar o céu.
E foi lá que eu tomei tanto gosto pelos fenômenos naturais diários, o pôr e o nascer do sol, o vento, a forma como a luz incidia nas nuvens. Eu me percebi cercada de tantas coisas bonitas, e me perguntei como não tinha visto aquilo antes.
O vento provocava as mais bonitas reações no ambiente. As nuvens, bem devagar, se mexiam. As ondas iam se intensificando; consequentemente, a música de fundo produzida por elas. As árvores balançavam de um lado para o outro, como se estivessem dançando, ou me convidando para dançar. Eu podia ver algumas pétalas de flores sendo levadas pelo vento, viajando pelos ares da cidade. Havia pássaros planando a alguns metros de mim. A areia saía da praia e ia fazer desenhos bonitos na rua asfaltada. A grama me dava a impressão de que queria sair debaixo dos meus pés e pairar por aí como as pétalas e os pássaros. E tudo isso em alguns instantes.
Eu gostava muito de poder ficar ali, sozinha, assistindo ao espetáculo natural que acontecia em volta de mim. E gostei muito de ter vivenciado tudo isso, pois voltei da viagem com outros olhos. Agora em vez de olhar para o carro da frente, eu olho para as nuvens; em vez de olhar para o trânsito, eu olho para os pássaros. Foi necessário que eu viajasse para outro continente para que isso pudesse acontecer.
O céu é diferente a cada dia. O céu transmite uma sensação diferente a cada dia. O pôr-do-sol mais bonito é no inverno, quando forma-se um arco-íris gigante acima do sol; o mais alegre é na primavera, quando as cores predominantes são laranja e rosa; e o inesquecível é, com certeza, o de Swanage.
Ficam aqui a minha saudade e o resultado das várias epifanias que tive ao assistir ao pôr-do-sol de lá.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

conto de natal

Lisa estava indo ao Subway mais próximo, na esquina da Nove com a Portugal, pois era o único restaurante que poderia estar aberto até tão tarde. Como uma boa workaholic, Lisa fizera hora extra para usar de argumento quando for pedir para o chefe a tão almejada promoção.
O lado bom de andar nas calçadas da Nove de Julho à uma da manhã é que as luzes de natal deixam o ambiente úmido e frio mais aconchegante e mágico. O céu estava limpo e as estrelas brilhavam com força, mas se estivesse nevando um pouco o lugar ficaria mais bonito ainda.
Ela andava a passos longos e arritmados, só conseguia andar com um ritmo constante quando estava ouvindo alguma música. Seus passos ecoavam ao longo do quarteirão, e o único movimento por ali, apesar de ser madrugada de sexta para sábado, era o de prostitutas. Ela esfregou as mãos e percebeu que o frio agradava-lhe, e praguejou mentalmente por morar num país tropical.
Estava chegando ao Subway quando viu que a porta estava fechada, e ali encontrava-se uma placa, na qual lia-se o bilhete "Horário especial: dia 24, das 10:00 às 18:00; dia 25 não abriremos". É claro, que tolice. Era uma da manhã do dia vinte e cinco de dezembro. Ingenuidade pensar que algum lugar estaria aberto. Ela sentou-se na calçada, beirando a rua, e bufou. Riu sozinha da besteira que fez.
Foi quando viu alguém do lado oposto da rua, sentado exatamente como ela, na frente de um posto de gasolina fechado. Ela virou a cabeça para o lado, a figura o fez também. Ela piscou com a luz do celular duas vezes, a figura o fez três vezes. Esta então sentou-se embaixo de um dos poucos postes iluminados, possibilitando assim que Lisa tivesse a visão, embora embaçada, do seu rosto. Era um rapaz de camisa, gravata e mochila; provavelmente estava ali porque trabalhara até mais tarde, seus cabelos estavam bagunçados pelo vento frio e cortante e suas mãos cobertas por luvas. Não era de uma beleza excepcional, mas chamava atenção pelos olhos bonitos.
Lisa fez menção de levantar-se e dividir a madrugada de Natal com aquele amável desconhecido, mas desistiu. Ele provavelmente devia estar esperando pela carona de alguém. Então ela refletiu mentalmente por que razão ela estava sozinha. Bom, não tinha namorado, seus pais estavam na Califórnia, sua irmã estava passando o Natal com a família do marido e seu irmão... bem, ela não tinha notícias do irmão havia meses. Não que ela se esforçasse para consegui-las, também. Devia haver alguns meses já que ela não via os pais; qualquer feriado era oportunidade para trabalhar mais e ganhar mais dinheiro. Certo. Ela tinha milhares na poupança, mas não tinha um único indivíduo com quem tomar um vinho espumante, com quem trocar presentes, com quem sorrir e conversar no Natal. Triste? Triste. Deprimente? Deprimente. Satisfatório? Talvez. Lisa era bem conformista e conformada com sua vida. Fazer o quê?, era seu lema.
Absorta em seus pensamentos, não percebeu o amável desconhecido atravessando a rua - sem se preocupar com carros, pois passava um a cada 10 minutos, e era da polícia, fazendo ronda -, sentando-se ao lado dela, abrindo a mochila, pegando uma garrafa de vinho de supermercado e servindo-o num par de copos de plástico.
"Está servida?", ele perguntou, sorrindo.
"Claro", Lisa respondeu. "Um brinde à solidão."
"Não, não gostei..." ele disse, olhando para seus pés e refletindo. "Um brinde ao Natal", disse, por fim.
Ela consentiu com um gesto de cabeça. "Feliz Natal". Os dois brindaram e deram goles longos em seus respectivos copos.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

carta suicida

Não estava chovendo, não estava nublado, o ambiente não estava denso por causa de um clima triste. Não havia nenhuma gota de álcool em volta dele, muito menos drogas, muito menos remédios para dormir. Nada que pudesse justificar tal atitude.
Na verdade, o dia era definitivamente muito bonito, claro e ensolarado, quente, aconchegante, um perfeito fim de tarde de primavera com cheiro de baunilha. A hora do dia era aquele momento entre o crepúsculo e o fim da tarde; quando o sol está lá no horizonte e a cor do céu fica indefinida por um dégradé do azul quase preto para o verde.
Quando encontraram-no já era tarde, estava inconsciente e seus lábios estavam azuis. Uma carta foi encontrada.
A carta foi publicada num jornal nacional no dia seguinte à morte.

"A todos e qualquer um que se importe, de alguma forma, ao ponto de ler esta carta.
Eu não ligo se a minha morte entristeceu-te, alegrou-te ou enraiveceu-te. O importante é que você foi afetado. A minha vida inteira tentei afetar as pessoas, e seria uma ironia se só em morte eu conseguisse, de fato.
A questão é que senti que minha batalha foi perdida em algum momento de fraqueza... tantas pessoas me dizendo o que e como fazer chegou a me tresloucar, eu estava sendo mais afetado do que estava afetando as pessoas, entende, caro leitor?
A causa da minha morte é simples. Trancarei-me na garagem e inalarei monóxido de carbono. Entende? O monóxido aos poucos me envenenará, me tomará por completo, assim como o veneno da minha infelicidade e insatisfação. Não busquei refúgio em drogas, pois sei que o cigarro e os alucinantes seriam uma saída finita. Não busquei substituir água por álcool, pois morrer aos poucos por causa de uma cirrose não seria agradável. Escolhi uma tarde simples e perfeita, uma tarde que não me faria mudar de ideia, uma tarde que não me faria sentar numa varanda e pensar sobre como sou (fui?) miserável.
A questão, novamente, é que fiquei louco depois de começar a trabalhar no jornal. Sim, faz anos, e sim, eu dizia a todos que estava feliz, mas é óbvio, devido às circunstâncias atuais, que era uma mentira. Poder finalmente dizer minhas ideias sem me esconder foi ótimo, mas as críticas me corroíam e me faziam perder minha fé nas outras pessoas. Diziam-me para escrever sobre atualidades, ninguém quer saber sobre o fascismo, as pessoas querem saber das novelas e das celebridades... como se tudo que acontece hoje não dependesse do que aconteceu anos atrás. Novamente digo, perdi a fé nas pessoas. Estavam, aliás, são tão ocupadas em criticar, em não refletir e em vituperar tudo que não vai de acordo com seus valores superficiais que até olhavam para meus textos, mas não os liam. As pessoas são tão ocupadas em provar que elas mesmas estão certas que agem da forma errada.
Veja bem, amigo ou amiga, ignorância é uma bênção, de fato. Mas a ignorância pura, como a das crianças. A partir da adolescência não é possível encontrar indivíduos ignorantes. Todos são espertos, mas tão espertos que sabem que a alienação é o caminho mais fácil e indolor. E por eu não ter escolhido esse caminho, bem, cá estou, frio e inconsciente. Eu, finalmente, inconsciente! Ah, as ironias da vida... ou da morte.
Eu sei que você, leitor, lerá esta carta, olhará para o horizonte, balançará a cabeça e refletirá por alguns instantes. Mas depois sua vida vai voltar ao normal e seu pensamento nunca mais retornará à minha morte, pois é isso que as pessoas fazem.
Mas eu não estou escrevendo isso por você. Eu faço isso por eles, aqueles jovens que estão prestes a percorrer o mesmo caminho que eu percorri. É nesses jovens que a minha nova esperança instalou-se. E o meu conselho é: vendam-se. Vendam-se bastante. E quando estiverem totalmente comercializados, quebrem toda essa hipocrisia e mediocridade, chacoalhem a cabeça das pessoas, essas pessoas que um dia foram suas fãs. Afetem quem quer ser afetado, e acreditem, eles vão querer ser afetados por uma celebridade. Vão ao talkshow da Oprah, dêem-lhes o que eles querem, depois mostrem o quão estúpido superficial é o que eles querem. Afetem esses seres. E, por obséquio, realizem esse pequeno desejo desse cadáver putrefato: usem a minha morte para afetar as pessoas em vida.
À sociedade o que é da sociedade. Minha breve existência e último suspiro"

domingo, 5 de dezembro de 2010

sobre minha raiva

É muito comum eu me deparar (vendo no orkut, por exemplo) com situações que não têm relação direta comigo mas que mesmo assim me irritam. As atitudes das pessoas me irritam.
E como hoje parei para pensar sobre isso, descobri que o que me irrita nessas situações é a ignorância das pessoas. Os indivíduos fazem coisas que eu considero ingenuidade e, em certos casos, ignorância. Muitas vezes penso isso porque vejo-os passando por algo que eu mesma já passei e gostaria de ter feito diferente. Muitas vezes eu me espelho nessas pessoas, e enxergo o quão estúpida eu mesma já fui, apesar de, na época, eu saber que eu estava me iludindo acerca de alguma coisa, de algum jeito.
Encolerizam-me as ilusões. Ilusões de que há um método alternativo para conseguir o que queremos, ilusões de que de fato conseguiremos o que almejamos... ano passado eu havia prometido a mim mesma que, este ano, eu começaria a acompanhar o jornal todos os dias, leria todos os livros difíceis, veria todos os filmes "cults" mas adivinhem só. E isso é um alerta para todos os individuozinhos entrando no colegial ano que vem: NÃO É ASSIM TÃO FÁCIL MANTER-SE CULTO E POLITICAMENTE ATIVO QUANDO SE ENTRA NO COLEGIAL. É extremamente fácil ler muitos livros até a oitava série. Agora experimente, em pleno setembro, tendo duas provas, 26 aulas e um mol de quilos de matéria por semana, pegar o Crítica da Razão Prática para ler, tendo que conciliar as horas de leitura com as (muitas) horas de estudo, as horas de amigos, as horas de computador, as horas de lazer, as horas de jornal e as horas de sono e necessidades básicas.
Abespinham-me as falhas. Falhas no plano. Era pra ser de um jeito e aconteceu de outro. Mas além das falhas, a minha impotência para com essas situações falhas. Não pude fazer nada para que acontecesse de outra forma. Eu adoraria chacoalhar algumas cabeças agora e falar "isso não vai dar certo, não bote fé", e eu adoraria que alguém tivesse feito isso comigo antes de me eu me decepcionar.
E depois de escrever tudo isso, descobri que tudo o que realmente me assoma são as minhas frustrações. Tenho raiva das coisas porque sou frustrada, porque comigo não aconteceu diferente.

E acho que meu blog é o melhor psicólogo que existe, obrigada.