segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

carta suicida

Não estava chovendo, não estava nublado, o ambiente não estava denso por causa de um clima triste. Não havia nenhuma gota de álcool em volta dele, muito menos drogas, muito menos remédios para dormir. Nada que pudesse justificar tal atitude.
Na verdade, o dia era definitivamente muito bonito, claro e ensolarado, quente, aconchegante, um perfeito fim de tarde de primavera com cheiro de baunilha. A hora do dia era aquele momento entre o crepúsculo e o fim da tarde; quando o sol está lá no horizonte e a cor do céu fica indefinida por um dégradé do azul quase preto para o verde.
Quando encontraram-no já era tarde, estava inconsciente e seus lábios estavam azuis. Uma carta foi encontrada.
A carta foi publicada num jornal nacional no dia seguinte à morte.

"A todos e qualquer um que se importe, de alguma forma, ao ponto de ler esta carta.
Eu não ligo se a minha morte entristeceu-te, alegrou-te ou enraiveceu-te. O importante é que você foi afetado. A minha vida inteira tentei afetar as pessoas, e seria uma ironia se só em morte eu conseguisse, de fato.
A questão é que senti que minha batalha foi perdida em algum momento de fraqueza... tantas pessoas me dizendo o que e como fazer chegou a me tresloucar, eu estava sendo mais afetado do que estava afetando as pessoas, entende, caro leitor?
A causa da minha morte é simples. Trancarei-me na garagem e inalarei monóxido de carbono. Entende? O monóxido aos poucos me envenenará, me tomará por completo, assim como o veneno da minha infelicidade e insatisfação. Não busquei refúgio em drogas, pois sei que o cigarro e os alucinantes seriam uma saída finita. Não busquei substituir água por álcool, pois morrer aos poucos por causa de uma cirrose não seria agradável. Escolhi uma tarde simples e perfeita, uma tarde que não me faria mudar de ideia, uma tarde que não me faria sentar numa varanda e pensar sobre como sou (fui?) miserável.
A questão, novamente, é que fiquei louco depois de começar a trabalhar no jornal. Sim, faz anos, e sim, eu dizia a todos que estava feliz, mas é óbvio, devido às circunstâncias atuais, que era uma mentira. Poder finalmente dizer minhas ideias sem me esconder foi ótimo, mas as críticas me corroíam e me faziam perder minha fé nas outras pessoas. Diziam-me para escrever sobre atualidades, ninguém quer saber sobre o fascismo, as pessoas querem saber das novelas e das celebridades... como se tudo que acontece hoje não dependesse do que aconteceu anos atrás. Novamente digo, perdi a fé nas pessoas. Estavam, aliás, são tão ocupadas em criticar, em não refletir e em vituperar tudo que não vai de acordo com seus valores superficiais que até olhavam para meus textos, mas não os liam. As pessoas são tão ocupadas em provar que elas mesmas estão certas que agem da forma errada.
Veja bem, amigo ou amiga, ignorância é uma bênção, de fato. Mas a ignorância pura, como a das crianças. A partir da adolescência não é possível encontrar indivíduos ignorantes. Todos são espertos, mas tão espertos que sabem que a alienação é o caminho mais fácil e indolor. E por eu não ter escolhido esse caminho, bem, cá estou, frio e inconsciente. Eu, finalmente, inconsciente! Ah, as ironias da vida... ou da morte.
Eu sei que você, leitor, lerá esta carta, olhará para o horizonte, balançará a cabeça e refletirá por alguns instantes. Mas depois sua vida vai voltar ao normal e seu pensamento nunca mais retornará à minha morte, pois é isso que as pessoas fazem.
Mas eu não estou escrevendo isso por você. Eu faço isso por eles, aqueles jovens que estão prestes a percorrer o mesmo caminho que eu percorri. É nesses jovens que a minha nova esperança instalou-se. E o meu conselho é: vendam-se. Vendam-se bastante. E quando estiverem totalmente comercializados, quebrem toda essa hipocrisia e mediocridade, chacoalhem a cabeça das pessoas, essas pessoas que um dia foram suas fãs. Afetem quem quer ser afetado, e acreditem, eles vão querer ser afetados por uma celebridade. Vão ao talkshow da Oprah, dêem-lhes o que eles querem, depois mostrem o quão estúpido superficial é o que eles querem. Afetem esses seres. E, por obséquio, realizem esse pequeno desejo desse cadáver putrefato: usem a minha morte para afetar as pessoas em vida.
À sociedade o que é da sociedade. Minha breve existência e último suspiro"

Um comentário:

Mariana Cotrim disse...

hoje em dia ninguém mais quer sair dos ciclos viciosos que essa ignorância impõe, é bem assim mesmo. adorei.