segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

a igreja

Começa o filme. Imagens de um rapaz de trinta e poucos anos, com maxilar bem quadrado e cabelos castanhos perfeitamente repartidos ao meio.
Eduardo era o tipíco amante do sucesso. Boa-pinta, charmoso, sedutor, carismático, tinha uma lábia que vou te contar. Exatamente por isso era sempre o funcionário do mês na empresa em que trabalhava. Emprego irritante aquele. Eduardo era encarregado de convencer as pessoas a comprarem todos aqueles aparelhos inúteis e multifuncionais - às vezes só pelo telefone. E era o mais bem sucedido vendedor dos últimos vinte e cinco anos, segundo aquela revista de circulação federal.
Era o cara que pede licença mas não pede desculpa se pisar no seu pé. Que não mente, mas omite muita coisa. Que te faz um favor se você já tiver feito-lhe muitos. Que consegue driblar até o jornalista mais crítico e competente de sua área. Quase um Collor. Realmente adorável. Tipinho imprestável e muito conhecido, mas que sempre cai nas graças do povo, certo?
Ele também era relativamente jovem, quando considerando seu tremendo sucesso profissional. Estava noivo de uma apresentadora de um talk-show, típica loura de olhos azuis e corpo lipoesculturado, e já tinham um filho de 4 anos - muito inteligente, muito bonito, menino prodígio da música e do desenho! Que vida perfeita.
Pausa.

Eduardo estava sentado na poltrona vermelho-sangue de sua sala. A única fonte de luz era uma luminária muito fraca, no canto da sala. O ambiente era gélido, mas ele estava completamente confortável, com uma taça de vinho na mão. Deu um último gole e descansou a taça sobre a mesa de centro. Recostou-se na poltrona e cruzou as pernas, enquanto tamborilava seus dedos nos braços dessa. Suspirou.
Levantou-se. Ia dar uma volta. Saiu de seu apartamento - no vigésimo sétimo andar do prédio localizado na área mais rica da cidade. Já estava bem escuro, aparentava ser mais de meia-noite, mas Eduardo não tinha assim tanta certeza. Saiu em busca de prazer, diversão, entretenimento.
Andando na rua vazia, pouco iluminada e de atmosfera úmida, ele finalmente sentiu-se à vontade. Afrouxou a gravata e deu um gole na garrafa de vinho tinto que trouxera consigo. Foi andando com passos largos e lentos até deter-se avistando uma igreja gótica. Mal iluminada, muito alta, vitrais que, à noite, davam a impressão de ter ilustrações do inferno. Eduardo sorriu.
Resolveu entrar na igreja. Não fez o costumeiro sinal-da-cruz ao entrar, não tinha religião nenhuma, ele era seu próprio deus. Foi andando tranquila e distraidamente por lá, mas parou ao ver uma imagem de capuz ajoelhada ao altar. Foi a seu encontro.

(continua)

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