Quanto mais ele chegava perto, mais audíveis os sussurros da pessoa ficavam. Eduardo ajoelhou-se ao lado da figura e esperou por uma reação.
Nada.
Mas antes de ele abrir a boca para falar algo, a figura pronunciou-se.
- Não é obvio que eu estou rezando? - e da figura encapuzada saiu uma feminina voz, muito doce, mas com alguns indícios de melancolia. Disse isso sem virar o rosto, sem sair de sua posição oratória.
- Por que está rezando?
- Não por que, mas por quem. - a voz saiu quase que como um sussurro. - Estou rezando por você.
Eduardo assustou-se. Como, por mim?, ele pensou, se eu nunca a vi na vida?
- Estou pedindo que Deus lhe perdoe. - a moça disse. Eduardo não entendeu. Não era religioso, não acreditava em nada além dele mesmo.
- Não preciso que ninguém interceda por mim, moça.
- Certo. - Ela se levantou e, sem que Eduardo pudesse ver seu rosto, virou-se e saiu andando. A única coisa que podia se dizer acerca de sua aparência física era a respeito de sua altura, pois ela usava uma capa de lã muito grossa que se estendia até o chão. Incomum. Não é de se admirar que esse repentino acontecimento tenha despertado tanta curiosidade em Eduardo. Há muito tempo ele esperava por alguma coisa que tirasse sua vida do total e completo tédio. Então seguiu a moça.
A única parte de seu corpo que Eduardo pôde ver até então foi seu braço direito - quando a moça estendeu-o para abrir a porta da igreja, Eduardo notou que ela possuía uma cicatriz em forma de cruz no antebraço. Olhou para o seu próprio. Ele tinha uma cicatriz idêntica. Isso sempre esteve aqui?, ele pensou.
Os momentos seguintes ficaram memorizados de forma muito confusa na mente de Eduardo; uma série de acontecimentos não passam de borrões; até que ele se encontrou deitado num banco na entrada de uma taverna. E, surpreendentemente - ou não -, encontrava-se ao seu lado a tal moça da cicatriz de cruz. Desta vez, metade de seu rosto estava visível. Não era magro, era de um formato deveras masculino, a boca estava machucada e ela tinha um hálito de absinto.
- Você me encontrou porque sua vida estava um tédio, ou estou enganada? - Eduardo consentiu. Estava ainda um pouco tonto. - Serei a tua fonte de absolvição. Deverá escutar-me e responder sinceramente às minhas perguntas. Agora recomponha-se, que nosso lugar não é aqui.
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