terça-feira, 26 de março de 2013

obstáculos e pontes


Interessante é o fato de que ao mesmo tempo que a linguagem pode ser esclarecedora (como quando você descobre uma palavra que sintetiza um sentimento inteiro que você não conseguia explicar; "nossa!, é isso mesmo!") ela pode ser tão absurdamente limitante (porque esse mesmo sentimento pode ter várias facetas e explicações, mas assim que você o define, ele fica preso aos ditames e à semântica da palavra em questão). Pode-se, nesse contexto de abrangência e imprecisão, inserir as palavras polissêmicas, que simultaneamente abrangem muitos sentidos (expressam muitas ideias) e exatamente por isso amarram todos esses sentidos a uma coisa só. Estranho isso, não?, o fato de algo versátil ser aprisionador. A palavra angústia, na minha opinião, exemplifica muito bem isso. Existem muitas "classes" de angústia, assim como muitas causas, mas a palavra é tão vaga que tudo passa a ser "angústia" e, por se definir como tal, o sentimento em si torna-se vago, impreciso.
E se tem uma coisa que eu odeio é imprecisão e indefinição.
Então surge a pergunta que vem me martelando desde que li 1984 simultaneamente a Wittgenstein ("Os limites de minha linguagem significam os limites de meu mundo"): é possível verbalizar o pensamento? Todo e qualquer pensamento?

A primeira resposta que me veio à cabeça foi "sim, pois a linguagem é criação da racionalidade, logo do pensamento, logo, deve nela haver um correspondente a tudo que é fruto do pensamento".
Mas nosso próprio pensamento, raciocínio é estruturado por palavras. Então, no caso, seria impossível pensar algo que não é (ou não foi ainda) exprimido pela linguagem. Seria o pensamento realmente limitado por palavras, por serem concretas, definidas, como uma fõrma de bolo?
Ao mesmo tempo, o pensamento é ilimitado. É totalmente possível se pensar em fenômenos que vão além do que se vive no aqui, no agora, no espaço. Na verdade, questionar-se sobre fenômenos de quaisquer natureza é o que nos caracteriza, não? Isso inclui morte, sentimentos, princípios - tudo o que não é concreto e que não precisa ser necessariamente vivenciado para que seja alcançado pelo pensamento criativo, indagativo e imaginativo do ser humano. Quero dizer, é claro que não se precisa vivenciar a morte para se pensar sobre ela, certo?

Mas isso não realmente importa, pra mim. Se a linguagem exprime ou não o que eu quero dizer não faz tanta diferença. Faz diferença na medida em que isso afeta as relações intersubjetivas. E elas são imensamente afetadas. A linguagem, ao mesmo tempo que ponte, é um grande muro que separa o meu mundo do mundo do outro. Ou mesmo uma miragem, uma simples ilusão, ao passo que pode parecer haver uma comunhão de significado, mas, devido ao caráter polissêmico das palavras (ou ao fato de que a carga semântica de cada palavra, porque é fruto das experiências de cada pessoa com a própria palavra e seu uso, varia de pessoa para pessoa), eu transmito a, a pessoa ouve b e o que eu realmente queria dizer é c. Então o que garante que somos compreendidos? Partindo disso, o que garante a legitimidade das relações, de quaisquer tipos?

Não sei. Se questionarmos demais, cairemos num vazio de sentido absoluto.

O que importa é que, mesmo com todas as barreiras, é de nossa natureza tentar ultrapassá-las e construir pontes entre nossos mundos individuais. O que importa é que, com algum esforço, é possível olhar para o outro e dizer "eu entendo o que você quer dizer" - mesmo que não entenda; o que vale é a intenção.
(Pra não estragar o tom do texto, não vou entrar no fato de que o ser humano pode ser muito beócio também quando quer, ao se empenhar em não entender o outro, seu ponto de vista, sua história, seus motivos. O que é, de fato, muito mais frequente do que a tentativa de compreensão, mas eu tenho tentado ver as coisas não de um ponto de vista diferente, mas com ênfase diferente.
Porque não dá pra olhar pro lado luminoso da coisa se você não virar a cabeça, certo?)

Um comentário:

Anônimo disse...

Eu gosto muito da forma como você se empenha em raciocinar, mesmo que nem sempre (na verdade, acho que na maioria das vezes) não podemos chegar a uma resposta realmente significante (no sentido de ser realmente certo, algo que realmente nos satisfaça).
E é bom ler/ouvir pessoas que nos faça refletir.

Obrigada.