domingo, 24 de outubro de 2010

- pelo ponto de vista de tiago -

- Então você pode contar qualquer coisa pra mim, e eu pra você? - Annie disse, parecendo um pouco nervosa.
Estávamos sentados, Annie e eu, numa sorveteria em frente à casa dela - que era ao lado da minha -, ainda de mochila nas costas, pois tínhamos acabado de chegar da escola. Ela faz o estilo "dezessete anos e fugiu de casa", e eu finjo que também sou assim, meio que "odeio ficar em casa, me sinto preso, sou rebelde". Ela gosta.
Eu não sabia muito bem o que responder. Eu não sabia aonde ela queria chegar, e dependendo da minha resposta, ela podia interpretar as coisas de uma forma errada. Darei uma resposta vaga, então, assim ela pensa o que quiser.
- Sim, claro. Você sabe que eu te considero demais... - foi a minha resposta. Não sei se foi impressão, mas eu poderia jurar que ela pareceu meio tensa ao ouvir minhas palavras. Eu disse algo errado?
- Certo. - ela respondeu. Não sei se estava tão certo assim. Ela parecia nervosa comigo. Aliás, eu não sei, ela parecia nervosa, mas ao mesmo tempo estava totalmente corada; estava com os punhos cerrados, e ao mesmo tempo, balançando a perna de nervosismo. - Em quem você está pensando? Em alguém que você odeia, certo?, julgando pelos seus punhos cerrados e seu anel do humor. Preto.
Adoro observar o efeito que minhas frases têm sobre ela. Ela parece realmente afetada pelo que eu digo, de vez em quando. O que é estranho, pois Annie sempre se comportou de forma tão... descolada. Não sei. Gosto de balançar com sua cabeça.
- Só fica preto quando estou com você, trouxa. - Ela respondeu. Eu sabia que era verdade, ela sempre faz questão de me mostrar seu anel do humor quando estou com ela. - Acho que eu te odeio, então.
Não gostei de ouvir isso. Ela sempre dá um jeito de sair por cima. Que irritante!
Então, como vingança, fiz uma cara de "cachorro abandonado", como Annie gosta de chamar, que eu sabia que ia mexer com ela. Sou bom ator, então forcei algumas lágrimas, e pronto. Pude ver a raiva se esvaindo dos olhos dela. Então lancei a bomba.
- Mas eu acabei de dizer que te considero tanto... - Disse, olhando para meus pés. Típico coitado.
Mas depois de a raiva ter se esvaído, foi como se ela tivesse voltado com mais força ainda. Parecia que a Annie estava se controlando para não me dar um soco. Foi frustrante. Plano fracassado.
- Você sabe que pode me contar o que tá acontecendo, né? - Disse. Foi minha última tentativa de absolvição. Joguei essa frase acompanhada do meu sorriso mais sincero.
- Nada - Annie respondeu. - É que eu estava só mentalmente constatando que eu nunca soube por quem você está apaixonado.
Ah, agora já era. O que eu respondo? Tenho que dar um jeito de deixá-la com a ilusão de controle da situação.
- Ah - eu disse, fingindo-me de surpreso. - Achei que você soubesse.
Isso não era completamente falso. Eu realmente sempre achei que ela soubesse por quem eu sou e sempre fui apaixonado. Olhei para a casa dela. Quantas vezes eu já não fui lá, fiquei conversando com a irmã mais nova, só para fazer a Annie perceber o quão bom partido eu sou, comi o brigadeiro que ela faz, ajudo com a lição de casa, saio para passear com os cachorros, faço de tudo. E não faço isso por mais ninguém.
Mas então ela interpretou meu olhar de forma errada.
- Eu sabia! - ela levantou, apontando pra mim, e depois para a casa dela, e depois pra mim. - VOCÊ GOSTA DELA! Eu achava que você ia lá em casa porque gostava de mim e do meu brigadeiro, MAS ERA SÓ PRA FICAR PERTO DELA! - Ela apontava para sua irmã mais nova. Abaixei a cabeça. Que ótimo. Bom, é isso o que ela quer enxergar. Então eu percebi. Ela olhava para meu irmão. Que droga. Ela gosta dele, claro que gosta dele. E ele gosta dela, também. Por mais que eu ache que ele não presta, não posso controlar com quem ela deve ficar ou não.
- Vai lá. - eu disse. - Antes que ele pense alguma coisa sobre... hum, nós.
Ela me lançou um olhar que podia ser interpretado como um típico "valeu, cara". Eu sei que todas as garotas preferem meu irmão. Ele faz o tipo bonitão, pegador, estudioso da faculdade. Como competir?
- Fico feliz que nós não somos mais um daqueles casais adolescentes que aparecem em clipes de cantoras loiras que cantam Pop - disse, tentando parecer indiferente.

Tocava a música "She's Got Style" na sorveteria. Segurei a lágrima que teimava em escorrer pelo meu rosto.

Um comentário:

vmbsf disse...

Bom,cada um vê, ouve e interpreta a mesma cena de acordo com sua miopia, com sua audição e compreensão do nosso rasgado português.
Falta agora você escrever a versão de alguém que estava ao lado deles, ouvindo toda a conversa.
Muito bom, mesmo!