sábado, 16 de abril de 2011

liberdade

- Ao menos eu sou livre, Fitzwillian.
Essa foi a resposta dada por Hermann, uns tensos segundos depois das explosão e confissão de Fitz.
Dibs tinha suas orelhas vermelhas e as mãos juntas em seu colo.
Eduardo encarava Fitz e Hermann como se estivesse acabado de assistir um diálogo entre ele e ele mesmo.
A Dama observava toda a composição da cena com um êxtase profundo.
- Que diabos, Hermann! - Fitz agora encarava-o como se fosse louco. - Eu sou livre, legalmente livre e responsável por mim mesmo e por qualquer outro alguém desde que completei vinte e um anos de miserabilidade!
- O que quer dizer com isso? - Eduardo interveio. - Você supõe que algum de nós não seja livre?
- Eu sou livre porque sou escravo das minhas virtudes e dons. Vocês são escravos do que a nossa sociedade, hedonista e que padroniza, impõe que sejam. Vocês são escravos do trabalho e do dinheiro, são escravos da falsa ideologia (que atua como uma pseudo-crença a ser seguida) que lhes é imposta todos os dias por todos os meios de comunicação, são escravos de seus impulsos e desejos carnais e materiais, são escravos de uma falsa necessidade de atualização. São pobres seres racionais que são enganados a todo instante. Mas vocês todos, todos, são ignorantes a ponto de não saber que, se vocês são escravos de si mesmos (de um eu idealizado e requerido pela sociedade), são também os donos de si mesmos, possuidores da única chave para sua própria libertação. Libertação essa que exigiria muita reflexão e desprendimentos, mas que traria uma recompensa para toda a vida.
Ficaram todos, exceto Fitz, encarando os próprios sapatos, como crianças que acabaram de levar uma bronca moral da mãe. Dibs mostrava-se incrivelmente maravilhado de ter acabado de escutar toda aquela profecia ditada por Hermann. Não conseguia esconder a admiração e, ao mesmo tempo, a pena que sentia pelo homem.
- Se você é escravo de suas virtudes, Hermann, você também pode estar sendo ludibriado pelo que acha ser um bom motivo para continuar vivo. Se você acha que ser escravo de sua inegável habilidade para refletir criticamente acerca das coisas, escrever sobre o comportamento humano, cercar-se de cultura e embriagar-se de poesia modernista são virtudes, provavelmente o pensa porque são atitudes não tão comuns em nossa sociedade. Logo, você continua sendo escravo da mesma - no caso, é escravo do que não é requisitado ou apreciado. - Fitz concluiu, finalizando sua fala num tom estranhamente reflexivo e não tão sarcástico.
- Hermann, também há a possibilidade de você cegar-se tanto acerca de suas virtudes que se esqueça de trabalhar seus defeitos. - Dibs disse. - Ou você acha que é completamente normal e são estar total e completamente alternativo à sociedade? O homem é um ser social, vive em sociedade e de uma forma ou de outra deve fazer parte dela, e você precisa parar de acreditar que assistir à programação que passa em seu televisor ou comer fast food de final de semana acabaria por corromper seu rico caráter.
Ficaram quietos, refletindo. Era muito conteúdo em um demasiadamente curto espaço de tempo.
- Mas então - Eduardo quebrou o silêncio - o que é ser livre?
- Acredito que seja não prender-se a nada. Não prender-se a valores como se fossem a única verdade do mundo. - Fitz disse. - Acho que um homem realmente livre é aquele que consegue enxergar e refletir acerca de ideologias e opiniões diferentes, e, por fim, montar, como num mosaico, sua própria tese acerca da vida.
- Mas como? Como uma pessoa pode montar seu caráter e ter uma posição definida, se ela não se prende a ideia nenhuma? Uma pessoa assim seria indecisa pelo resto da sua vida! Estaria destinada a ficar em cima do muro em todas as decisões que envolvam uma moral, por toda a sua vida! - Hermann disse. - Ser livre é ser indefinido?
- Não, Hermann. É totalmente possível que se tenha um ponto de vista mesmo não se prendendo a uma só teoria. E esse é o real valor da liberdade que Fitz está tentando nos mostrar. A liberdade é um valor acima de todos, e só é possível alcançá-la quando nos libertamos dos nossos preconceitos e passamos a olhar tudo por cima, conseguindo compreender tudo à nossa volta, porque temos nosso olhar livre o suficiente para analisar uma situação sem nos prendermos à uma ideia totalmente contra ou totalmente a favor a ela. O indivíduo livre não é aquele indeciso, pelo contrário, é aquele que reflete e pensa e define muito mais do que qualquer um, pois tem sua mente aberta a tudo. - Foi a vez de Eduardo manifestar-se. - Utópico. Não acredito que alguém consiga atingir esse estado. Talvez Buda, Gandhi, Maomé ou Jesus Cristo, mas não nós.
- Não gosto de utopias. - Dibs pontuou.

4 comentários:

vmbsf disse...

Adorei a sua definição de liberdade! Compactuo com a mesma; ser livre é estar aberto, não se prender a uma única teoria, uma única ideologia, uma única forma de pensar. Todos têm razão, claro que não ao mesmo tempo, e só não tem razão aquele que julga só ele ter razão.
Isso não significa ser indeciso, fazemos escolhas por qual caminho seguir, em cada momento, por um tempo.
Não existem verdades absolutas, talvez Einstein seja o culpado...
Gostaria que os acdêmicos tivessem essa visão, que os ateus tivessem essa visão, que os crentes tivessem essa visão.
Liberdade foi o tema mais abordado por Sartre.

Buxexa disse...

É com o aprisionamento que podemos ser livres, ou seja, se não estivéssemos presos a nós mesmos, nunca conseguiríamos ser verdadeiramente livres.

Sujeito Oculto disse...

Excelente a forma de expor sua concepção a partir de um diálogo! Ficou muito, muito bom! Faz tempo que não passo por aqui... O tempo corre de mim!
Ah, quanto a "são escravos de uma falsa necessidade de atualização", acabei de escrever um texto sobre isso. Passa lá!

Marina Silva e Siqueira disse...

abrir mao de todas as ideologias é suicidio. creio que entao nada teria uma finalidade. liberdade deve enlouquecer.