- Sabem o que eu acho? - começou Dibs. - Acho que os tolos aqui são vocês. Vocês é que são o hedonistas e escravos do capitalismo, os manipulados, os infelizes, os insatisfeitos e os ingênuos! Vocês - até você, Hermann - é que se deixam cegar pela ganância, prepotência, ignorância e pseudo-busca por um sentido da vida. Não os culpo! Acho que o tempo tornou-os duros e de certa forma cegos ao que realmente importa. Mas é muita agnosia da parte de vocês acharem, que por serem mais velhos e estudados do que eu, que sabem mais sobre a vida ou que têm o futuro mais apropriadamente traçado. Filósofos, pensadores, psicólogos e sociólogos de muitas gerações já afirmaram que devíamos ver o mundo com o olhar das crianças, não no sentido de um olhar sem malícia, mas de um olhar de quem aproveita o que está vivendo, de quem tem sonhos no coração e procura concretizá-los da forma melhor e mutuamente benéfica possível... quando crianças é que aprendemos a amar, sentir, sonhar e planejar corretamente... esses valores todos vão se dissolvendo dentro de nós com a idade e o falso conceito de maturidade... Portando, do meu ponto de vista, ingênuos são vocês, que se acham bons o suficiente para viverem sozinhos!
Não é preciso dizer, caro leitor, que a atmosfera ficou cheia de tensão e indignação. Hermann sentia-se envergonhado por ter recebido uma lição de moral de tão jovem criatura, Fitz sentia-se indignado e já calculava respostas para cada sentença dita por Dibs, e Eduardo estava realmente refletindo sobre o que Dibs dissera. Mas, de forma geral, o que cada um se perguntava era: e se Dibs estiver realmente certo? E se aqueles valores mencionados por ele tornassem a vida realmente mais proveitosa e menos difícil?
Eduardo começava a sentir vontade de bater sua cabeça contra a parede. Trinta e tantos anos, vinte e tantos investidos em agradar a terceiros. Os últimos dez anos de sua vida empregara apenas em reverter suas habilidades em algo que poderia ser útil apenas aos outros e que não lhe dava nenhum prazer. Alguém que passa tanto tempo assim ou é realmente ignóbil e não dá valor à própria vida ou é alguém que aterroriza-se só com a ideia de fazer algo por si próprio, de seguir os próprios sonhos independentemente de sua utilidade ao capitalismo atual, se arcar com as consequências das próprias escolhas.
Hermann tentava calcular onde é que tinha errado. Tudo aquilo parecia tão óbvio, mas Hermann acostumou-se a olhar através do óbvio, então muitas vezes não capta as coisas mais simples. Tanta complicação, tantas desculpas, tantos motivos para não aproveitar a vida; que Hermann esqueceu-se do valor-mor, instintivo, primitivo e poético em todos os sentidos: simplesmente aproveitá-la, pois não teria outra. Tornar-se escravo das próprias ideologias, epifanias, medos, hipóteses e obrigações para com a tal sociedade também é uma forma de anular-se. Prender-se à tarefa sem aproveitá-la é tão herege quanto não fazê-la.
Fitz não queria aceitar que sim, talvez Dibs esteja certo, talvez afastar as pessoas não seja a atitude mais certa a se tomar. Julgar o caráter das pessoas baseado em seu nível intelectual é tão errado. Prova disso era ele mesmo - extremamente dotado intelectualmente, mas não serviria como referência de cidadão moral. Tampouco seria um amigo de verdade. Tendo sua existência marcada por solidão e muitas contradições dentro de si, Fitz concluiu que sim, há um método alternativo, a felicidade é possível, arrogância não é sinônimo de superioridade.
Dibs era, sem dúvida, o jovem que um dia os outros três foram, mas abandonaram por conveniência ou falta de utilidade, e aquela conversa resgatara valores há muito esquecidos...
Um comentário:
Acho que de todos os textos que li aqui, esse acaba de virar o meu favorito. Achei fodido demais, simples assim, como o olhar de uma criança (não no sentido de malícia). Um escrito que serve de exemplo pra muita gente mesmo, e termina por dar no meio do cu dos mesmos! Parabéns. Ótimo escrito. E porra, desculpe alguns "palavrões".
Postar um comentário