terça-feira, 24 de maio de 2011

a paz

- Antes de eu encerrar esse encontro - Dama começou - queria perguntar-lhes: como alcançar a paz?
- A paz de espírito? - Eduardo perguntou. - É um conceito bem... complicado. Não ouso dizer que seja inalcançável, mas até hoje temo que eu não tenha encontrado um método que me guie à paz de espírito...
- Depende do seu conceito de paz de espírito. - Hermann começou. - Acredito que nossa vida seja um círculo vicioso: temos um objetivo, batalhamos, alcançamos, nos entediamos e logo encontramos um outro objetivo, e por mais nobre, mais complexo que seja tal objetivo, a tendência é de nos frustrarmos quando alcançamos tal, pois sempre parece que o esforço foi maior que a recompensa. Superestimamos a recompensa, quando o contrário é que devia ser feito, mas, enfim. Acredito que a paz de espírito, olhando desse ponto de vista, seja alcançada quando conseguimos aproveitar mais a viagem do que o destino, o esforço do que a recompensa, o processo do que o grand finale.
- Acredito que a paz de espírito está no coração dos ignorantes. - Fitz disse, pausadamente. - Para aqueles que não saem da "cotidianice", que olham para seus problemas por um prisma egoísta e totalmente não-relativista. Não ter o peso do intelecto e de séculos de reflexões sobre seus ombros é, sem dúvida, a maior paz de espírito que existe.
- Algumas religiões e filosofias orientais acreditam que você pode se libertar de todas as angústias e problemas desapegando-se de tudo o que é material - Dibs disse - e isso inclui não só bens e objetos, mas também envolve que você não se relacione com ninguém, seja esse relacionamento familiar, amoroso ou amigável. O ato de desprender-se, de certa forma, de toda a sua vida implicaria uma paz de espírito constante por não haver com o que se preocupar. Tudo é passageiro.
- Não gosto dessa ideia. Se eu me desprendesse de toda a minha vida, eu me desprenderia também de mim e de minha identidade, minha história. Eu realmente teria paz de espírito, porque não teria de refletir nem de me preocupar com nada, já que tudo é passageiro! - Apontou Eduardo. - Eu, quando jovem, gostava de pensar que eu alcançaria a paz o dia em que estivesse fazendo algo bom para mim e útil para o fator externo, seja esse fator a sociedade ou minha família. Esse equilíbrio, assim como Hermann disse, tendo a acreditar que só pode ser acessível quando começamos a pensar o valor das coisas por que passamos na nossa vida. Isso está incluso no gigante pacote definido por "aproveitar a viagem". Acho que essa determinação do que é válido e do que não é só pode ser feita se olharmos para nossa vida de fora, de cima, como se estivéssemos no topo de uma montanha: o que é pequeno some, apenas grandes formações continuam visíveis, e são essas grandes formações que merecem nossa atenção.
- Mas para alcançar-se essa forma de visão, tão cósmica, primeiro precisa-se reconhecer que, apesar de tudo por que passamos ter certa influência, mesmo que minúscula, na nossa identidade, deve-se aprender a valorizar acontecimentos ou reflexões realmente importantes: formadores de caráter, questionadores de nossa ética... e isso exige um certo desprendimento, sim, da predominância das emoções, as quais geralmente influenciam no nosso juízo de valores do que é realmente importante e o que pode ser considerado fútil - Fitz disse. - Tal atitude só pode ser esperada dos mais ricos intelectualmente. Não sei vocês, mas eu vivo em constante angústia e, apesar de eu também não gostar de utopias, como Dibs, tendo a pender para o lado cético da questão, o lado que grita "estás louco?!, paz de espírito é para parvos, sem grandes questionamentos ou grandes angústias!".
- Vocês acham que tudo na vida é muito fácil. - Dibs disse, de forma disparata. - Tudo é ou inalcançável ou só digno de idiotas. Não é você mesmo que estava falando sobre aproveitar a viagem, Hermann? E não é essa a beleza? Acompanhar a sua evolução como ser humano, (racional, social e de alma muito rica), enquanto busca a paz de espírito, a solução dos problemas e uma forma mais saudável de encarar a vida? Não é isso o que torna a vida cheia de significado e aprendizado? Você acha, Fitz, que a vida de um parvo, em seu final, terá muito significado? Não que eu esteja desvalorizando vidas, cada um a aproveita da forma que bem quiser, só que um ser que se questionou e refletiu durante toda sua existência tornará sua vida muito mais significativa do que alguém que só cumpriu sua função biológica de existência. - Dibs então parou para tomar fôlego. - E não me venham com a ladainha de "mas o destino inexorável de todos é a morte". Isso só deveria fazer com que aproveitássemos mais, tendo a consciência de que, provavelmente, essa será nossa primeira e última chance.
Dibs revelava-se e os outros três homens encolhiam-se em suas roupas, envergonhados por terem deixado morrer dentro de si o Dibs que ali um dia esteve.

Um comentário:

vmbsf disse...

O percurso, o percurso sempre...
As emoções não atrapalham, muito pelo contrário, elas mostram caminhos, apontam o norte.
Lindo texto!