Não sei como começar esta carta. Eu nem sei o seu nome.
Não sei o seu nome, não sei onde você nasceu, o nome dos seus pais, se você tem irmãos, se você já voltou para o Brasil, se sua vida deu certo, se você está feliz ou se você sequer lembra de mim.
Só sei que nosso encontro certamente me marcou. E olha que foi uma grande coincidência, pois eu não devia ter sentado do seu lado, mas como eu não tinha onde sentar, colocaram-me lá. E tudo bem que grande parte da viagem nós nos ignoramos, mas ao ver aquele aviãozinho se aproximando do continente na tela - e você cedendo aos meus pedidos e finalmente abrindo a janelinha - acho que uma luz de animação se acendeu tanto dentro de mim quanto dentro de você.
Lembro-me que você devia ter entre vinte e cinco e trinta anos, e que ia para Londres a trabalho e estudo, ficar seis meses. Lembro-me muito bem do brilho fugaz nos seus olhos que traduzia o medo, a excitação, a ansiedade e o terror de estar vivenciando aquilo. Você me disse que nunca tinha ido a Londres e que nunca tinha tido a oportunidade de conversar em inglês com ninguém, mas que a vida era assim, ter de encarar as experiências com os olhos e ouvidos atentos e o coração e a mente abertos.
Lembro-me de quando você abriu a janelinha e ficou olhando lá para baixo. Após alguns momentos de intensa observação, você virou e me disse "lindo, né?". E esse "lindo, né?" deve ter sido um dos únicos "lindo, né?" sinceros que eu já ouvi na minha vida, porque dava pra sentir na sua voz que você realmente estava maravilhado, deslumbrado por aquela imensidão de mar e costa, que aquilo era realmente novo e que você estava realmente aproveitando a viagem em que você ia embarcar e que nem tinha começado ainda. Pois esse "lindo, né?" não é um "lindo, né?" que se fala quando se vê um sapato bonito, ou óculos de sol bonito, ou um rapaz bonito; é um "lindo, né?" que se diz quando não se consegue achar outras palavras pra expressar o que se está sentindo então recorre-se para frases populares e encarrega-se a voz de dar todo o sentimentalismo contido naquilo. A voz, o olhar, e a respiração contida antes de dizê-lo. Devo dizer, até aquele momento eu não tinha tido um momento "lindo, né?", mas passei a tê-los frequentemente. Passei a admirar mais a beleza das coisas e a dar mais valor para o que eu tinha e tenho. Afinal, eu estava indo para a Inglaterra pela primeira vez com 15 anos, e aquele moço só conseguiu fazê-lo depois de formado e estando trabalhando.
O avião pousou. Todos começaram a se levantar para pegar suas bagagens de mão. Você me ajudou a pegar a minha (que por sinal devia estar no limite de peso) e quando fomos liberados a sair do avião, olhei para você e disse sinceramente "boa estadia, espero que tudo dê certo", e você respondeu "boa viagem, aproveite".
E a última vez que eu o vi foi andando de um lado para o outro no aeroporto olhando freneticamente para seu celular, e quando estava no avião para voltar para o Brasil me peguei pensando onde você estava naquele momento.
Querido estranho, obrigada pelas 12 horas de vôo que passamos juntos e por me fazer rever meus valores do que é lindo e do que precisa ser realmente valorizado. Acho que o mundo ficou mais bonito depois do seu comentário a respeito da costa de Portugal e do mar. Não tenho palavras para lhe agradecer suficientemente, pois se teve algo que tornou minha estadia em Swanage inesquecível foi o fato de eu ter parado para apreciar o pôr-do-sol de cada dia e o mar indo e voltando. E todo dia eu me pegava pensando "lindo, né?".
Com carinho,
A menina que sentou ao seu lado no vôo de ida para Londres no começo de Julho de 2010.
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