terça-feira, 3 de janeiro de 2012

not too late

(pra ser lido com esta música de fundo: not too late - norah jones)

"Kira, você tá bem? eu ainda to acordado, quer que eu vá aí pra sua casa?"
"Saí de casa, Gui. Minha melhor amiga insistiu demais pra que eu saísse, então eu cedi."
Mensagem enviada.

Eram cinco e meia da manhã. Ela por sorte encontrou um café aberto, comprou um capuccino para viagem e saiu vagando pela rua. Loucura andar às cinco e meia da manhã sozinha na Nove de Julho, mas o tempo pedia pra que ela ficasse. Os primeiros raios de sol apareciam no horizonte, e as gotas de orvalho se misturavam com as gotas de chuva ralas que caíam incessantemente. Ela olhou para o termômetro mais próximo. Dezesseis graus. Mas a atmosfera, sem dúvida, era bonita. Poucos momentos do dia são tão bonitos quanto aquele que vêm logo antes do amanhecer.
Uma bebida quente pra derreter o coração gelado, congelado, e restaurar suas esperanças já derretidas. O que aconteceu? Mais uma decepção... quando se tem decepções demais você acaba se acostumando, mas ela dessa vez realmente achava que ia ser diferente.

"Você quer que eu vá aí ficar com você, Ki? To indo trabalhar daqui a pouco, posso sair mais cedo pra tomar café com você."
"Não, mana, não precisa. Estou bem."
Mensagem enviada.

Sim, todos eles sempre falam que são diferentes, que vão ser diferentes, e as mulheres que ainda têm alguma pureza, inocência e decência no coração sempre acreditam. Os efeitos de uma decepção se tornam ainda piores quando se é romântica. Aí parece que o seu mundo vai acabar. Sim, mudar é muito difícil, mas primeiramente é preciso assumir que a mudança é necessária. E ele a iludiu, a iludiu durante todo o tempo que a curta relação durou. Mas Kira, por mais que queira deixar transparecer uma força que com certeza existe dentro dela, é frágil. Não fraca, mas frágil. E, sabe, deveria ser um pecado decepcionar pessoas como Kira.

As nuvens foram se dissipando, embora ainda chovesse.

Mas ela continuou andando, respirando aquele ar gelado e eventualmente dando um gole em seu capuccino que não poderia estar mais doce. Ela sabia que eventualmente ia ficar enjoada da bebida justamente por ser doce demais. Será que esse era seu problema? Doçura em excesso? Sim, ela pensou, eu acho que devo começar a ser mais amarga, mais enjoada, vou confiar menos e esperar menos das pessoas, ah, vou. Mas, Kira, se fosse assim tão fácil mudar um caráter tão pueril. Ela começou a sentir frio. Desejou ter pego aquele casaco flanelado que estava pendurado atrás da porta, mas sua cabeça estava em outra órbita.

A chuva agora mal podia ser sentida.

O volume de carros começou a aumentar. Kira parou numa pracinha e sentou-se num dos bancos. Estava molhado, mas ela não ligou. Ela ainda sentia como se seu coração tivesse diminuído de tamanho, como se a capacidade volumétrica do seus pulmões tivesse diminuído, estava difícil de respirar, estava difícil conciliar a respiração com as tentativas falhas de reprimir o choro... é claro que na sua cabeça a única coisa que acontecia era uma discussão entre sua consciência e sua vontade. E é claro que a consciência estava ganhando, e dando uma lição de moral na vontade, e dizendo a Kira que ela precisava deixar de ser estúpida, e que ela agora tinha mais é que levantar a cabeça. A cada gole de café a discussão ia ficando menos intensa, seus nervos começaram a se acalmar. Terminar um relacionamento às quatro da manhã por skype não é fácil, ainda mais quando não foi você quem terminou. Ah, Kira, mas se todos fossem igual a você, o mundo seria melhor.

O sol começou a aparecer... o ambiente estava confuso: os raios de sol com certeza mostravam que queriam aparecer e limpar o céu, mas a chuva persistia em ficar ali, e essa bonita indecisão durou tempo suficiente para Kira terminar de tomar seu café.

Ela estava se levantando quando viu seu melhor amigo, Guilherme, aproximando-se dela.
- Eu queria te ver, aí recebi sua mensagem falando que você não estava em casa, então vim direto pra cá.
- Como você sabia que eu estaria aqui?
- Porque seu café preferido é a alguns quarteirões daqui, e você adora beber café quando está triste. E você me trouxe aqui quando a Aline terminou comigo, também.
Pela primeira vez em alguns dias, Kira esboçou um sorriso.
- Me dá um abraço, Ki.

A chuva parou por insistência dos raios de sol, que finalmente saíram do horizonte e agora iluminavam a cena com força.

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