terça-feira, 12 de junho de 2012

café de flores

Deixe-me ir, preciso andar; vou por aí a procurar... rir pra não chorar.


Outro aeroporto. Aquela multidão. Ficar ali, em pé, desafiando o fluxo de movimento das pessoas com o ato de simplesmente ficar parado, estático, é algo engraçado de se fazer. Ficar ali, em pé, torna totalmente compreensível e palpável a ideia de se estar sozinho mesmo quando rodeado de centenas de indivíduos.


Ana sentiu um arrepio.


Detestava aquele sentimento. Já o havia sentido muitas vezes, mais do que o suficiente pra entender que não é prudente fazer sua felicidade depender de outras pessoas.
Na verdade, estar em meio a uma multidão aflorava muitos sentimentos contrários em Ana. Ela gostava muito de andar pela rua, olhar para as outras pessoas e imaginar a história de suas vidas. Imaginar por quais problemas elas passam, o que elas estão pensando naquele momento. Essa atividade a fazia se sentir menos melancólica - Ana tinha essa tendência a aumentar muito a proporção de seus problemas, e imaginar que outras pessoas também têm tantos problemas quanto ela levava-a de volta à realidade. É como subir ao topo de uma montanha: os problemas de verdade, os realmente grandes, podem ainda ser vistos de lá de cima, e todo o resto perde importância. Sair andando pela rua, também, sempre fora uma prática muito produtiva, muito frutífera e inspiradora - algumas das filosofias mais complexas de Ana surgiram enquanto ela andava o quarteirão da Lafaiete até a Prudente de Morais, um quarteirão com nada que pudesse inspirar pensamento algum, mas as melhores ideias e contos sempre vêm em momentos de ócio e distração.
Por outro lado, Ana podia sentir-se extremamente sozinha enquanto cercada por tanta gente. Perceber que se é apenas mais um para alguns é reconfortante, mas, para Ana, é desesperador. Aquele sentimento de impotência. O nervosismo que nos toma conta, a vontade que dá de berrar "parem de andar, parem, sentem-se, respirem!", aquele caos, a turbulência... Ana tinha uma pastora extremamente bucólica dentro de si, por mais que odiasse reconhecê-lo. E, principalmente nos últimos meses, a vontade de fugir para um campo de clima temperado só vinha aumentando.


Pegaram um táxi até o centro da cidade. Como levavam pouca bagagem, decidiram andar e reconhecer se Paris era tudo aquilo de que sempre tinham ouvido falar.
"Você fez reserva em algum hotel?"
"Não. Você fez?"
"Não"
"Que faremos?"
"Andar por aí, respirar, tomar um café, e parar no primeiro hostel com que nos depararmos"
Isso podia às vezes atrapalhar, mas as espontaneidade e despreocupação de Caio vinham em bom momento naquela situação. A última coisa de que Ana precisava era de um neurótico, estressado, que não saberia lidar com a situação de simplesmente não ter uma cama garantida quando a noite caísse.


Era primavera em Paris. Alguns prefeririam passar um Outono em Nova Iorque, e lá estava Ana, na primavera em Paris.


Eles começaram a andar. Talvez fosse por pura frescurite, por puro placebo, porque cidades são cidades em qualquer lugar do mundo, e nem o trânsito nem as pessoas seriam a diferença entre Paris e São Paulo - mas Ana sentia que havia algo mais. Algo que não pode ser tocado. Talvez fosse pela arquitetura tão característica da cidade, ou pelo fato de que tantos eventos já se passaram lá historicamente, tantos grandes filósofos já se sentaram naqueles cafés, tantas ideias já circularam por aquelas ruas que, nossa. Passar pelo arco do Triunfo, pela torre Eiffel, pelo Café des Flores, quem sou eu perto dessa cidade?
Andaram. E andaram. Que é o que precisa ser feito para conhecer a cidade a fundo. Andar por ela, conhecer suas ruas tortas, seus prédios, suas galerias, seus jardins. Quem anda só de táxi ou de ônibus não conhece a essência da cidade nem de perto.
Ana, num sobressalto, parou de andar.
"O que foi, Ana?"
Ela encarou a extensão da rua à frente de si.
"Tem uma moça, andando de bicicleta, com um mochila cheia de jornais, passando por aqui", ela começou a falar, "que fica subindo e descendo as ruas que cortam a rua em que estamos"
"E qual o problema?"
"Isso está me deixando nervosa"
"Por quê?"
"Porque por mais que nós andemos, ela sempre está na nossa frente, e isso me deixa nervosa"
Caio encarou-a meio sem entender se Ana estava falando alegoricamente ou se aquele era um dos seus ataques de neurose. Ana era assim, costumava falar em metáforas e fazer analogias de seus próprios sentimentos, mas outras vezes era só um ataque de histeria.
"Mas o pior", continuou Ana, "é que eu sei que vou me sentir estranha quando nós a alcançarmos, pois agora me acostumei a sempre estar distante dela. Quando o encontro chegar, e chegará, fatidicamente, bem..."
"Então você vai encará-la, olhos nos olhos, e comprar um jornal."

(continua)

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