terça-feira, 19 de junho de 2012

escolhas

Ainda é cedo, amor... mal começaste a conhecer a vida...

Ana e Caio prosseguiram andando pelas estreitas ruas não-turísticas de Paris. Estar lá era melhor do que ela pensara, pois estava realmente acontecendo. A realidade é sempre melhor do que o melhor dos sonhos. Durante o passeio, passaram por muitos jardins; estar cercada por flores e não mais por cana certamente era um sentimento interessante.
Ela observava os nativos passeando pelas ruas com expressões totalmente apáticas. Triste pensar que, quando o belo é cotidiano, ele deixa de ser belo. Viver em uma cidade tão histórica, tão bonita, tão completa e ignorar esse fato por simplesmente estar em contato com ele todos os dias. Claro que, mais cedo ou mais tarde, tudo cai na rotina, tudo torna-se convencional - mas por isso devemos deixar de apreciar o que esse "tudo" tem pra oferecer, apresentar, emocionar?
Se esses parisienses fossem morar alguns dias em São Paulo, "selva de pedra" e asfalto, cinza, muito cinza e fria, certamente sentiriam falta de Paris.
Engraçado isso, de as pessoas precisarem perder para valorizar. Como se só a ausência demonstrasse que era pra haver algo ali. A permanência de algo em nossas vidas acaba virando rotina, acostumamo-nos com a rotina e passamos, egocentricamente, a acreditar que, se algo mudar, não fará diferença. Mas faz. Sempre faz.

"Olha só, um hostel"

Depois de algumas horas andando, Ana e Caio encontraram um lugar para ficar. Não era cinco estrelas, não ficava na avenida mais bonita da cidade, não era o prédio mais bonito da cidade, o caminho que levava até lá não era o mais fácil de se encontrar - e menos fácil e atrativo ainda de se seguir. Mas era o hostel que eles queriam, de que eles precisavam, e que eles podiam pagar.

Muitos fatores definem nossas escolhas. Nossos valores, nossas necessidades, nossas limitações - e o  que era mais triste: havia uma tendência atual muito crescente de se fazer escolhas baseando-se no número de empecilhos entre você e sua meta, sendo esta geralmente o sucesso (econômico, acadêmico, existencial). Esses empecilhos podem ser o tempo, a quantidade de estudo ou a quantidade de habilidade necessários para se atingir a meta. E quanto maior cada empecilho, menos esse caminho é escolhido - e mais à margem da sociedade em questão ele vai ficando. Não é à toa que pouquíssimas pessoas escolhem a docência - estudo demais, tempo demais, suor demais investido em algo que não é socialmente reconhecido como deveria ser. E também não é à toa que a procura pela participação em reality shows é tão grande: fama e dinheiro fáceis, rápidos e a qualquer custo, quem não quer?

Mas afinal o hostel, por dentro, não era ruim. Era confortável, caseiro e tinha cheiro de café. Ana e Caio logo sentiram que fizeram a escolha certa, e que era ali mesmo que deveriam ficar. Descobriram que dividiriam o quarto com outras três pessoas: um francês, de Marseille, uma iraniana, de Teerã, e um japonês, de Osaka. Nunca Ana tinha ficado em um só quarto com três culturas, ideologias e etnias diferentes. Nenhum dos três estava no quarto - compreensível, por serem quatro horas da tarde.
Caio, como de costume, levara mais livros do que roupas na mochila, e abriu um aleatório assim que terminaram de se acomodar.

Ana olhava pra Caio e se perguntava por que demorou tanto para conhecê-lo. Gostava muito de tudo o que a entrada de Caio proporcionara em sua vida - passou a se entender mais, a refletir mais, a analisar-se mais. Ele era muito parecido com ela, inclusive nos aspectos negativos. Eles aprendiam um com o outro e iam se reconstruindo em cima das bases que construíam juntos.

...já anuncias a hora de partida sem saber mesmo o rumo que irás tomar...

(continua)

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