quarta-feira, 29 de setembro de 2010

devaneios em um pôr-do-sol

Andando a esmo, sem direção, com uma mochila nas costas e livros na mão, ela parou. Sentou-se na grama. O tempo estava agradável, era outono, o lugar era até que bonito, era alto, e de lá ela tinha uma visão... agradável da cidade.
Como não tinha afazeres mas tinha tempo de sobra, deu-se ao luxo de apreciar o céu.
Era outono. Seis horas da tarde de outono. A atmosfera era envolvente, calorosa, instigante. Uma vez que se olha para o céu, impossível desviar o olhar. E foi o que ela fez.
As poucas nuvens que lá estavam adquiriram um tom rosado, alaranjado; e podia-se ver perfeitamente o degradê de cores de um pôr-do-sol perfeito. Em cima, o azul quase preto, e embaixo, o laranja, o dourado. Ela piscou os olhos. Precisava tirar uma foto. Se apenas ela tivesse colocado a máquina na mochila... Balançou a cabeça, afastando esse pensamento.
Ela gostava de pensar sobre quantas gerações já não viram esse pôr-do-sol. Quantas pessoas já não fizeram a mesma coisa que ela. Quantas pessoas não viam o cair da noite como o fim, e quantas não o viam como um recomeço. Uma bênção. Pensou em quantos significados um pôr-do-sol; tão simples; e tão bonito; podia ter. Mais um dia vivido, seja isso positivo ou negativo, desejado ou repugnado.
Gostava de acompanhar o vôo dos pássaros, o zumbido do vento, as folhas caindo, o esqueleto das árvores se mexendo; gostava de sentir as formigas andando sob (e às vezes sobre) seus pés. Era tudo coordenado, parecia que nada nem ninguém podia interferir nessa ordem natural.
Quando foi que o homem parou de agir assim também? A vida era tão caótica. A cidade era tão barulhenta. Por que os homens não podiam ser como formigas, que simplesmente fazem o que tem de ser feito e voltam pra casa?
As formigas. Observou a trilha enorme por onde elas passam. Uma trilha larga e grande, com relação ao tamanho delas. Com certeza levou anos pra ficar pronta, e só ficou porque todos os dias as formigas passavam por ali e faziam o que tinha de se feito. Incessantemente. Coordenadamente.
Parou pra pensar se era por isso que aquele lugar e aquele momento eram tão pacíficos. Era uma amostra de toda a organização da natureza. Por um momento, um mísero momento, alguns minutos do dia, ela pôde sentir a felicidade pura e plena, natural, ela pôde sentir como as coisas deviam ser. Já estava tão acostumada ao caos que se esqueceu de como é a paz. Isso é tão errado, ela pensou. Mas ao mesmo tempo tão certo - porque só assim o valor devido é dado às pequenas coisas e às pequenas demonstrações de calmaria. Se ela não conhecesse o caos, não reconheceria a magia de um momento solitário e reflexivo.
Afinal, o céu já estava completamente negro, e algumas estrelas começavam a despontar aqui e ali, como pequenas flores que só abrem à noite. Fez uma força para conter o impulso de passar a noite ali. Levantou-se, passou a mão na calça para tirar a terra e rumou para seu apartamento.

Um comentário:

Carol disse...

Consigo ouvir buzinas de uma cidade caótica e sentir formigas andando sobre meus pés.
Bela descrição.