quarta-feira, 20 de julho de 2011

o foguete

Paola deu um grande suspiro. Nada poderia tê-la preparado para o que ela iria fazer naquele momento. Por que motivo, certo? Seria tão mais fácil se todos estivéssemos prontos para tudo, mas acho que aí perderíamos a verdadeira emoção de viver. A essência da vida é isso - a imprevisibilidade. Bateu na porta e entrou.
"Lucas, meu filho, a mamãe precisa conversar com você".
O menino de olhos doces, amendoados e cor-de-mel levantou os olhos da sua construção de blocos.
"O que foi, mamãe?", ele perguntou. "Onde está o papai?". Quanta inocência exalava de cada poro daquela criança! Muito triste ele ter de tomar um banho de realidade em seus tenros 4 anos.
"É sobre isso que eu quero falar com você, meu anjo". A mãe tomou fôlego e tentou manter sua aparência forte. Ele precisaria disso agora, de muita força. "O papai não vai voltar.".
O menino piscou os grandes olhos. "Como assim, não vai voltar? Ele vai morar pra sempre no hospital?", ele voltou sua atenção para os bloquinhos. "Aquele quarto é muito triste, nós podemos levar coisas pra deixá-lo mais feliz?".
Ao ouvir aquelas palavras, ela sentiu seu coração, já partido, se esfarelar. Que menino doce! Ele realmente não precisaria ouvir isso dela agora, está tão cedo, preciso arranjar alguma forma de tornar o acontecimento menos... menos o quê?
"Meu amor", ela começou a falar, com cuidado. "O papai... ele não vai mais voltar. Ele foi embora do hospital, mas ele não vem aqui pra casa, ele não vai mais continuar... aqui. No nosso mundo."
"Como assim? Ele não vai mais ficar aqui, com a gente?"
"Ah, não, meu anjo. O papai sempre estará com a gente. No nosso coração. Mas nós não vamos mais poder vê-lo ou tocá-lo.". Um grande suspiro. "Aconteceu uma coisa com o papai que nós chamamos de morte. Isso, para algumas pessoas, significa que ele desapareceu pra sempre. Mas pra nós significa que... que ele já realizou grande parte dos sonhos dele, e foi decidido que ele precisava ir embora, pra muito, muito longe... Ele te amou muito, e vai sempre te amar, mesmo de lá longe, no lugar onde ele está agora. E antes de ir viajar, ele me pediu para nós não o esquecermos, porque enquanto nós nos lembrarmos dele, ele vai estar, de certa forma, aqui, conosco..."
O menino pareceu digerir bem a ideia da viagem. Continuou com seus bloquinhos. O problema viria depois.
"Mas, mamãe... eu vou poder sentir o papai no meu coração, mas... eu não vou mais poder jogar futebol com ele, vou?"
"Não, meu amor, não vai". Como ela poderia falar sobre morte com uma criança de quatro anos? É tão cruel! "Um dia todas as pessoas fazem essa viagem que o papai teve de fazer. Um dia eu vou fazer, e você também. Algumas pessoas partem antes do que deveriam, como o papai, e só o que podemos fazer é torcer para que isso não aconteça conosco e torcer para que nós alcancemos a felicidade antes de ir. O papai alcançou a felicidade que ele queria. Ele disse que ele só ficaria em paz e ficaria contente em partir se você crescesse bem e se tornasse uma boa pessoa. E apesar de não estar aqui com a gente, eu tenho certeza que ele vai olhar por você, por nós, e que ele vai ficaria muito orgulhoso de você de lá onde ele está..."
"Mas como ele pode me ver, mas eu não posso vê-lo?"
"Porque ele já passou por aqui. Pense nisso como se você estivesse andando em um corredor escuro, que vai se iluminando conforme você vai andando. Você só é capaz de enxergar os lugares por onde já passou, os lugares que você já conheceu, pois há várias luzes acesas, mas você não consegue ver aonde você está indo. Você não sabe onde esse corredor termina, nem o que tem ao longo dele. Entende?"
"Sim, mamãe."
Ela suspirou, aliviada. Afinal, não tinha sido tão difícil assim.
"Mamãe... você acha que ele pode nos escutar?"
Melhor responder o que vai fazê-lo se sentir melhor. É só uma criança. "Acho que sim, meu anjo".
"Então toda noite antes de dormir vou contá-lo sobre meu dia. Assim, o desejo dele de me ver crescer e me tornar um bom garoto vai se realizar antes, não acha? Porque eu vou estar sempre contando tudo pra ele..."
A mãe abraçou-o, com força. Aquele pequeno ser que era parte do ser que a deixara. O jeito meigo de olhá-la ele herdou do pai.
"Nós dois vamos sentir muito a falta dele, não é, meu anjo?"
"Você está chorando, mamãe?" Lucas encarou-a. "Não se preocupe. Eu posso tentar fazer sua refeição favorita que o papai faz. Vai ficar tudo bem."
Sim, ficaria tudo bem. Paola reparou nos bloquinhos do filho. Ele havia feito um foguete.

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