segunda-feira, 18 de julho de 2011

trânsito

"E agora, notícias do trânsito comigo, Tatiana! Hoje os marronzinhos estão concentrados no fim da Presidente Vargas, em frente ao Ribeirão Shopping, na Independência, próximo à FAAP e na Francisco Junqueira, próximo ao Epicurista. O trânsito encontra-se pesado na rotatória da Fiusa com a Independência, e, como sempre, procure evitar a Nove de Julho na hora do rush, entre seis e sete horas da noite. A avenida Caramuru está com alguns trechos interditados com a operação Tapa-Buraco, antes tarde do que nunca, e um acidente aconteceu na Garibaldi com a Campos Salles, deixando o trânsito muito lento num raio de três quarteirões. Esses foram os avisos do trânsito, comigo, Tatiana."

E o rádio continuava tocando, sem que Amanda desse muita atenção. Aquele calor saariano, a umidade relativa do ar alcançando índices desérticos e a previsão do tempo com suas notícias, com o perdão do pleonasmo, previsíveis. Nada de chuva até que a tal massa Polar chegasse ao sudeste brasileiro. Pois é. Mais um dia torturante na cidade de Ribeirão Preto.
Porque o aviso chegou tarde demais, Amanda encontrou-se parada a um quarteirão do acidente, no qual uma motocicleta (obviamente), um pedestre e um carro (que ultrapassara o sinal vermelho) casualmente encontraram-se. Enquanto bombeiros tentavam tirar o pedestre e o motorista das ferrugens do (que tinha sobrado do) carro, um policial tentava assumir o papel do sinaleiro. Sem muito sucesso, pois era uma hora da tarde e os motoristas só pensavam no prato de almoço que já deveriam estar comendo.
Ah, desligou o condicionador de ar, abriu os vidros e desligou o motor do carro. Quanta agradabilidade! Um indivíduo beócio na caminhonete ao lado do veículo de Amanda estava com os vidros abertos escutando um pagode de quinta no volume máximo (porque além de ficar surdo, queria ensurdecer os outros também). Duas mulheres brigavam estridentemente no carro atrás, e um homem no veículo à sua diagonal parecia estar exausto com a situação toda.
E isso era só mais um dia. A situação estava apenas um pouco mais caótica do que já costumava ser. A diferença para o trânsito do dia-a-dia eram os corpos queimados no asfalto, a ambulância impedindo a passagem dos pedestres (que, sem ter para onde ir, costuravam por entre os carros) e algumas buzinas a mais. Nada de muito extraordinário.
Nada de muito extraordinário? Três pessoas correndo sério risco de vida, e não era nada de extraordinário? Bom, Amanda foi condicionada a ter essa reação - na verdade, a ter essa falta de reação - em situações assim. Todos os dias somos bombardeados com notícias regurgitadas de acidentes e catástrofes e não cai a ficha de que pessoas é que morreram. Vidas foram tiradas. Mas nos foi imposto de que são só números. Alguns números a mais. Alguns corpos a mais no solo putrefato do cemitério, alguns números a menos nas estatísticas da população mundial - que logo são substituídos pelos crescentes índices de natalidade de países miseráveis.
Triste isso, não? Essa desumanização das pessoas. E isso acontece todos os dias, sem que a maioria de nós perceba. Desumanização, despersonalização, desvalorização - quase um esvaziamento da essência humana, sim?, pois é algo muito humano a necessidade de se encontrar e de formar sua personalidade. A desvalorização de vidas é uma negação do próprio instinto animal de sentir compaixão por seus próximos e semelhantes. Brutalidade! Crueldade!
Mas puta que te pariu, pagodeiro! Faça um favor ao mundo e feche os vidros!
Algum sinal de movimento? Acho que não. Amanda olha pelo retrovisor. A fila de carros estendia-se por 5 quarteirões. Por que razão o policial não desiste de ser sinaleiro e vai dar sinal cinco quarteirões para trás, indicando para as pessoas pegarem outro caminho? Santa incompetência brasileira. Santa incompetência civil!
Impressão ou o carro da frente se moveu? Sim! Amanda liga o carro e aproveita a oportunidade para sair daquele inferno, inferno de reflexões, de remorso, de pesar em que ela tinha estacionado ao dar-se conta da situação em que se encontrava. Deu a partida e acelerou para fora de lá.

Um comentário:

Mariana Cotrim disse...

a gente aprende até na escola que as tragédias não são banais assim. mas o sinal toca e ninguém mais lembra...