Estava lá, feliz, com uma mochila contendo brinquedos, livrinhos, cadernos de colorir e vários lápis-de-cor, uma mão colada na mão do pai e a outra na mão da mãe. Até aquele momento sua existência tinha sido muito curta. Sabia basicamente de três coisas: o pai sorri de um jeito diferente para a mãe, não devo sair de perto de quem me ama caso contrário posso ser pego e devo sempre guardar os lápis-de-cor no estojo depois de usá-los. É claro que já tinha aprendido muitas outras coisas, mas essas outras tinham pouca aplicabilidade ou não faziam muita importância no final das contas.
Seguiu a mãe e o pai enquanto entravam numa loja muito, mas muito grande, com muitas luzes, muitas máquinas, muitas cores, nossa! que tontura. Acordou do devaneio quando sentiu o pai puxando-o pela mão.
"Essa loja tem muitos livros que você um dia vai ler, Tiago", ouviu o pai falando-lhe. Passeando por lá, viu que realmente a loja tinha muitos livros. Uns com capas feias e sem-graça, sem falar da grossura.
Foi para a parte mais chamativa e começou a entreter-se com um livro sobre espiões.
"Agente Tiago", ele ouviu, "precisamos de você na seção de jogos".
Tiago levantou os olhos. O lugar era grande e metálico. Levantou-se, tirou seu GPS portátil - tecnologia de ponta de sua empresa supersecreta - do bolso do casaco e encontrou-se. Saiu andando e virou no primeiro corredor à sua direita, cuja porta de acesso encontrava-se arrombada. Estava frio, sua respiração estava acelerada, e apenas seus batimentos cardíacos e seus passos ecoavam na escuridão. Tiago acionou a lanterna de seu relógio e prosseguiu.
A cada passo que dava, mais frio ficava. Continuou andando - e, poucos passos depois, o som dos seu caminhar foi ficando diferente, como se ele estivesse pisando em alguma coisa. Com um pouco de receio, apontou a luz da lanterna para seus pés e - argh! Será que... será possível? Não pode ser! Tiago pegou uma amostra da substância em que pisava e provou -a. Sim! Como pensando! Marshmallow derretido! O caso é pior do que eu imaginava. O indivíduo não só fez um estrago imenso, como também desperdiçou todo esse material de conteúdo imprescindível para a sobrevivência. Monstro! Perturbado! Doente!
Tentou segurar a respiração para não ser ludibriado pelo aroma doce e queimado do marshmallow. Ele devia prosseguir, não importava mais nada.
Acabou-se o corredor. Mais uma porta. Alarme destruído - hm, muito interessante, o indivíduo desabilitou o alarme com várias pancadas seguidas de curto-circuito causado por refrigerante de cola -, porta arrombada... e, pela ausência de pegadas, supõe-se que o homem está lá dentro ainda. Entrou. Era uma sala como o resto da construção - metálica, sem janelas, com condicionadores de ar... o diferencial era o grande cofre, que continha as versões mais novas e as vezes inéditas de jogos para computador ou videogame. Tiago respirou fundo e conteve uma lágrima - estar ali era muito emocionante.
Muita tensão. Tiago armou-se com shampoo Johnson's Baby - chega de lágrimas? questionável - e apontou a lanterna para dentro do cofre.
"Agente Tiago, CI 2004, você vem comigo por violar leis de invasão de propriedade privada e desperdício de material alimentício". Sem resposta. "Estou armado. Saia pacificamente ou terei de agir."
Uma sombra começou a sair do cofre. Estava coberto de marshmallow e tinha vários jogos nas mãos - todos danificados. Tiago não conteve sua expressão de indignação. Saiu em disparada na direção do homem, que permaneceu ali parado, sorrindo. Foi correndo, cheio de raiva, chegava mais perto, mais perto, até que escorregou no marshmallow e foi derrapando ao encontro do homem, que também estava armado - com bombas de legumes.
Seu final era inexorável. Tiago viu sua vida, tão curta, passar pelos seus olhos, lembrou-se do bolo que devia ter comido, lembrou-se da mãe e sobre como ele esquecera de entregar-lhe o cartão que fizera para ela...
Caiu. O homem foi aproximando-se.
"Tiago.", sua voz era maligna. Mas familiar. "Tiago..."
"Tiago?", era seu pai. "Tiago, filho? Você está bem? Estou te procurando faz muito tempo, até que você passa correndo por mim, e cai, de repente! Está tudo bem?"
Tiago suspirou. "Não, pai. Eu não consegui pegá-lo." E agora, quem terminaria a missão? Ele seria motivo de piada na empresa, escorregou no marshmallow... que vergonha.
"O quê?", o pai parecia não entender a seriedade da situação!
"Nada, pai. Eu cuido de tudo depois". Ele deu as mãos para o ingênuo pai e os dois foram ao encontro da mãe.
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