domingo, 10 de janeiro de 2010

03/04/1985

Certo. Não sei bem o que devo escrever em um diário... Mas visto que estou sozinha, não há muito a se fazer. Se eu não coloco as coisas no papel, se eu explodir não vai ser uma grande surpresa, mas enfim.

Nasci em 1940. A passagem da minha infância para a adolescência foi marcada por aquele glamour falso dos anos 50 - carros brilhantes, saias rodadas e muitos neons. Mas eu nunca gostei daquilo, não. Me lembro de que eu ia todo fim de semana ao cinema para fazer nada mais, nada menos do que entregar panfletos visando chacoalhar a cabeça das pessoas um pouco. Sabe? Acordá-las para a vida. Fazê-las saírem daqueles carros enormes, e olharem para quem está sentado na calçada.

E foi numa dessas vezes que eu vi meu marido (bom, ex-marido) pela primeira vez. Ele ia assistir a um filme qualquer, não me lembro bem. Ah, mas de uma coisa eu me lembro: dos olhos! Os olhos de quem não estava realmente naquele lugar. Os olhos de quem fantasiava e sonhava muito, mas não sonhos inúteis - sonhos de revolução. E eu estava certa, de fato.

Então em 1965 - ano seguinte do golpe militar, como todos sabem - resolvi fazer parte de algum grupo para ver se a situação mudaria no nosso país. Entrei em um dos MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário) e lá fiquei. Acho que foi a fase mais produtiva da minha vida. Organizávamos passeatas, distribuíamos panfletos, driblávamos a imprensa, atiçávamos o governo... e eles nunca nos pegavam! Nunca me senti tão viva e útil. Foi incrível.

Em 1967, então, resolvem criar pseudônimos, para preservar nossa identidade. Eu escolhi o meu - Maria. Interprete minha escolha como quiser. Bem, durante uma das reuniões, eu o vejo novamente - o moço que estava aquele dia, no cinema. Seu pseudônimo era João, ironicamente. (Na verdade, só fui saber seu nome 4 anos depois). Ele era um dos membros mais antigos do MNR. Era realmente fantástico. Muito forte e confiante. Me apaixonei, é claro.

Mas também é claro que nada desse tipo de intimidade era permitido em nosso grupo. Tive de me conter um ano. Mas em 1968, eu soube que ele também me amava. Não podia ser a hora mais errada... Com a liberação do AI-5, tínhamos de tomar muito, mas MUITO cuidado em nossas passeatas - pois quaisquer atividades ou manifestações sobre assuntos políticos eram expressamente proibidas. Também não podíamos mais votar. E nossas casas foram escolhidas, nossa liberdade vigiada... Tivemos de renunciar de nossos nomes para vivermos decentemente - ainda que clandestinamente. Um absurdo eu ter de renunciar do meu nome, que me tornava um indivíduo, brasileiro, para conseguir morar em paz no meu país... Que vergonha. Que absurdo. Não fosse a passeata dos Cem Mil, em junho, eu teria abandonado o país.

(continua)

2 comentários:

IANA MOTTA disse...

abandonar?? jamaisss..
www.maisaqui.wordpress.com

Buxexa disse...

Mt bom o texto, mt msm. Estou esperando pela continuação =)