Com a censura, nossas atividades e relações com a imprensa foram cortadas. Não havia mais chance de nosso grupo aumentar de qualquer jeito. Mas meu grupo se manteve forte. Hoje, desejo que tivéssemos sido fracos. Durante 1969 e 1973, vivi na pobreza. Com aquela história de "milagre econômico", alguns ficaram muito ricos, e alguns muito pobres. Infelizmente, minha opção é a segunda.
Então aconteceu. Em 1971 foi quando aconteceu. Estávamos fazendo mais uma de nossas costumeiras passeatas, quando um grupo de militares surgiu. Aparentemente estavam à espreita... como se já soubessem por onde íamos passar. Eles chegaram e começaram a tacar bombas para todos os lados. Vários de meus companheiros caíram e acabaram morrendo. Eu corria para encontrar João, mas quando o encontrei, ele disse para eu recuar. E foi só eu parar de andar, que dois policiais se tacaram em cima dele... Um segurando seus braços, e o outro batendo-o com sua arma, mesmo. Ele evitava me olhar, pois sabia que entregaria minha posição. Então eu corri.
Corri em direção ao nosso esconderijo, fazendo muitas curvas e pegando o caminho mais longo. Chegando lá, vi muitos papéis e documentos em cima da mesa. RGs, passaportes e dinheiro, inclusive. Aparentemente, meu João planejava nos pagar uma viagem fora da lei para o Reino Unido - eles viviam um período de recessão econômica mundial e competição industrial, então era uma ótima oportunidade de trabalho. Eu já me afastava da mesa quando me lembrei de olhar direito para o RG de João... e foi a primeira vez que fiquei sabendo de seu nome verdadeiro. Gustavo. E ele era exatamente como o significado de seu nome...
E durante os 3 anos seguintes, vivi uma meia realidade. O Rock estava estourando. Comecei a me drogar. Eu não queria mais saber de nada. Fui presa, torturada. Fugi nas duas vezes que me prenderam. Então me cansei. Me cansei de ficar sentindo pena de mim mesma. E em 1975, decidi começara trabalhar, para ocupar a cabeça. Eu tinha diploma em medicina, mas acho que isso não me ajudaria muito. Eu não conseguiria arrumar um emprego bom de verdade, porque eu obviamente não tinha o "atestado ideológico" fornecido pelo DOPS. Fui então trabalhar numa creche da minha vizinhança. Pagavam bem e o almoço era por conta dos donos. Eu gostei bastante do trabalho, sempre gostei muito de crianças, e, ao meu ver, era hora de eu me sentir mais... mulher, mesmo. Eu passara muitos anos lutando ao lado de homens, e no meu grupo todos éramos iguais. Mas nessa creche, eu me sentia quase uma mãe.
E eu trabalhei lá até 1983. Então um belo dia, estava eu sentada, assistindo a tv na creche, quando vejo um programa novo: Canal Livre, liderado pelo senador Teotônio. Ele dizia que devíamos lutar por eleições diretas, e que novas manifestações estavam por vir. Como resistir?
(continua)
Um comentário:
E foram muitas as manisfestações.Eu, na época, tinha a sua idade.
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