quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Toska

Eu estava lá, sentada ao teu lado. Observando tua respiração, admirando teus cabelos, respeitando-te pela vontade de viver. Em cada suspiro teu eu via a dificuldade e a dor, e ao mesmo tempo, a imensa resistência em continuar respirando. Tu querias continuar viva. E eu não entendia isso. Hoje já há formas indolores de se morrer, como se a alma simplesmente saísse do corpo alguns instantes depois do fechar dos olhos. Como se a pessoa simplesmente fosse posta para dormir.
Minha intenção era acompanhar-te nos teus últimos momentos, mas depois cheguei à conclusão de que teria sido melhor se eu tivesse ficado em casa, se minhas últimas lembranças fossem do teu rosto sadio, rosa e com uma expressão alegre, inocente, infantil. Ver-te pálida era muito difícil. Teus olhos sempre foram tão vivos e transmitiam perfeitamente o que passava-se-te na alma. Agora parecia que, aos poucos, tua essência dissipava-se-te pelos poros.
"Vai ser melhor para você quando eu sucumbir," tu me disse. "Você e seus eufemismos", respondi. "Você e sua dificuldade de confrontar a realidade", foi-te a resposta.
Eu apertei tua mão e teimei em segurar as lágrimas que insistiam em rolar-me pelo rosto. Eu tinha de permanecer forte, pelo menos na tua frente. Se eu mostrasse qualquer sinal de fraqueza, tu ficarias ainda mais relutante e insegura de partir. Mas nós duas sabíamos que tu e tua doença eram as mais fortes daquela sala.
Eu estava ali desde a semana anterior, não podia sair do teu lado. Depois de dois ou três dias, comecei a aceitar a ideia de que a tua hora havia chegado, começava a me preparar psicologicamente para o acontecimento, tentei fazer as pazes com a morte, pensei que aquilo poderia me ajudar a amadurecer. Mas tu, foi contigo que eu amadureci mais, tu sempre esteve lá por mim. Compreendes?
Então aconteceu. Tu me disseras que ia dormir pois o cansaço tomara conta de ti, e alguns instantes depois, ouvi aquele temido zumbido constante vindo do monitor. Teu peito não mais subia e descia. Tua mão não segurava mais a minha. Acho que a palavra que mais define o que eu senti no momento é toska. Senti como se alguém tivesse, impiedosamente, arrancado-me metade da alma e jogado ao relento, como se só por prazer, como se só para assistir ao meu espetáculo de agonia. Eu realmente me enganei quanto às pazes que supostamente fiz com a Morte.
Foi difícil ver aquele pedaço de mim morrer. Ver os médicos cobrindo aquele meu corpo e dizendo a hora da morte foi realmente assustador, mas necessário. Eu precisava deixar aquela parte minha... ir.

2 comentários:

vmbsf disse...

Perdas são sempre difíceis, mas insistir em manter ao lado o que já morreu, o que exala o cheiro insuportável, é ainda pior.
Devemos deixar ir embora para dar espaço para o novo,o porvir.

Jorge Manuel Brasil Mesquita disse...

A Morte é o sinónimo da vida. Só o sabemos quando consultamos o dicionário do rio por onde passamos a caminho da mesma foz.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Lisboa, 20/01/2011