sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

told me love was too plebeian


(continuação)

Remember, I remember all that you said: told me love was too plebeian, told me you were through with me

"Eu vou fazer isso, sabe. Ninguém pode me impedir. Nem você."
"Vá em frente, então."
"Eu falo sério."
"Eu não ligo."
"Bom, eu não esperava que você ligasse. Eu não esperava reação nenhuma de você... porque eu também não ligo - não ligo pra você, Vitória. Nunca liguei. Estive com você por distração. Quero dizer, você realmente acha que eu alguma vez a amei? Por favor, Vitória, um homem como eu amar um projeto de mulher feito você? Amor... amor é pra pessoas carentes, inseguras, que necessitam o tempo todo de aprovação. Eu não preciso disso. Nunca precisei."
"Que bom, cara. Que bom. Assim, vou me sentir menos culpada de ter deixado você se matar na minha frente."
Ele piscou duas vezes. Talvez ele não tivesse considerado a possibilidade de que ela realmente não se importava mais com ele. Seu braço direito, antes esticado para a frente, mostrando frascos na mão - num deles lia-se cicuta -, caiu ao lado do corpo. Cerrou o punho esquerdo. Fechou a boca, antes aberta de espanto.
"Então é isso, Vitória?" - e seu olhar ganhou repetina ternura. Agora que não estava mais embriagada de paixão, compreensão e até certa pena, ela podia ver o quanto ele podia ser manipulador, cruel, mesquinho. Como podia fingir tão bem aquelas emoções? Como conseguia transfigurar seu rosto do nojo, da ojeriza, para a ternura, a doçura?


and now you say you love me. well, just to prove you do, come on and cry me a river, cry me a river... I cried a river over you

"Vitória, olha pra mim. Vitória, você não me ama mesmo?"
"Não. Você me dá nojo. Me dá pena. Quero distância."
"Mas você já me amou"
"Talvez"
"Talvez?", ele agia como se tivesse levado um tapa no rosto. "Talvez? Você não me amou naquele dia em que eu te trouxe aquelas margaridas? Nem no dia em que te fiz uma surpresa no hospital e fomos viajar? Nem no dia em que mandei entregar aqui no seu apartamento aquela cesta de café da manhã? Nem mesmo, Vitória, naquele dia de chuva em que fomos ao parque e eu te empurrei no balanço?"
Mas que ótimo ator. Ela não podia negar que quase, quase se deixou balançar por aquelas palavras. Mas respirou fundo e tentou se lembrar de quem ele realmente era.
"Sabe, você devia ter tentado carreira artística."
O semblante dele se desfez. Voltou aquela expressão transtornada.
"Então está certo. Não sei por que perdi meu tempo vindo aqui."
"Também não sei. Estou ocupada. Você conhece a saída, certo?", e virou de costas. Enquanto andava da sala de televisão até seu quarto, ouviu um baque surdo e inferiu que ele virara o frasco de cicuta. Sentou-se na cama, lixou as unhas. E foi até a varanda. Jogou o maço de cigarros varanda abaixo, e lá ficou, por tempo indeterminado, que pode ter sido um minuto ou uma hora, ela não saberia dizer.

Quanto barulho. Agora não eram mais só as buzinas; parecia haver um grupo andando de forma muito pesada no corredor de seu andar. Passos ritmados. Seria a polícia?
Batidas na porta. "Vitória Fragoso, abra a porta. É a polícia.". Ela andou tranquilamente até a porta, passando cuidadosamente por cima do corpo estendido no chão, e a abriu. "Posso ajudar, policiais?"
"Uma vizinha ligou, disse ter ouvido discussões e ameaça de suicídio. Viemos verificar a veracidade da den..." e então o olhar do policial recaiu sobre a figura no chão, rodeada de vômito e frascos.
"Ele se suicidou, senhor. Não pude fazer nada. Pode verificar - não há digitais minhas no frasco"
"Mesmo assim, pedimos que venha conosco. Vamos pegar suas digitais, amostras das substâncias... conhece seu direito de ficar calada, tudo o que disser pode e será usado contra você."
"Mas sou inocente até que se prove o contrário"
"Sim"
"Muito bem, então. Prenda-me.". Apresentou os pulsos. O policial, confuso com sua calma, algemou-a.
"Ramos, chame a perícia. Fique aqui. Vou levá-la à delegacia, lá vamos ver o que podemos fazer". Vitória olhou o corpo pela última vez. Quem iria ao funeral? Não tinha família. Amigos? Dificilmente. Ele morreria sozinho. Por mais sádico que isso parecesse, Vitória contentou-se com esse pensamento enquanto era empurrada para dentro da viatura.

(continua)

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